Alguns profissionais de SST, contrariando a legislação e a técnica, começaram a utilizar a descrição CBO no PPP – Perfil Profissiográfico Previdenciário, no PGR – Programa de Gerenciamento de Riscos e no PCMSO – Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional.
Essa ideia começou com a invenção do PPRA-LAUDO, que não sei o que é, mas que fez muito sucesso na época. Pior que esses profissionais fizeram discípulos, cresceram e se multiplicaram. E se multiplicaram tanto que acabaram chegando as assessorias de SST, com impactos em softs, mensagerias e documentos de SST.
A Classificação Brasileira de Ocupações – CBO foi instituída pela Portaria nº. 397, de 9 de outubro de 2002, e tem por finalidade identificar as ocupações no mercado de trabalho para fins classificatórios junto aos registros administrativos e domiciliares. O site CBO também informa que os efeitos de uniformização pretendida pela Classificação Brasileira de Ocupações são de ordem administrativa e não se estendem as relações de trabalho. E que a regulamentação da profissão, diferentemente da CBO, é realizada por meio de lei, cuja apreciação é feita pelo Congresso Nacional, por meio de seus Deputados e Senadores.
Vamos analisar as descrições CBO de alguns cargos:
OPERADOR DE BETONEIRA – CBO 715405
Descrição sumária:
“Programam a produção e o fornecimento de concreto e misturam seus agregados, preparam o ambiente, os equipamentos de trabalho e os insumos do concreto, descarregam e bombeiam o concreto.”;
Atentem para isso: “…bombeiam o concreto.“
OPERADOR DE EMPILHADEIRA – CBO 782220
Descrição sumária:
“Preparam movimentação de carga e a movimentam, organizam carga interpretando simbologia das embalagens, armazenando de acordo com o prazo de validade do produto, identificando características da carga para transporte e armazenamento e separando carga não conforme, realizam manutenções previstas em equipamentos para movimentação de cargas, trabalham seguindo normas de segurança, higiene, qualidade e proteção ao meio ambiente.”.
Atentem para isso: “…realizam manutenções previstas em equipamentos para movimentação de cargas,…“
“trabalham seguindo normas de segurança, higiene, qualidade e proteção ao meio ambiente.” não é atividade, mas apenas uma obrigação da atividade. E Não deve constar da descrição.
Agora vamos aplicar esses conceitos:
Item 14.2 – Descrição das atividades do ANEXO XVII – INSTRUÇÃO NORMATIVA PRES/INSS Nº 128, DE 28 DE MARÇO DE 2022 – PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO – PPP:
“Descrição das atividades, físicas ou mentais, realizadas pelo trabalhador, por força do poder de comando a que se submete, com até novecentos e noventa e nove caracteres alfanuméricos. As atividades deverão ser descritas com exatidão e de forma sucinta, com a utilização de verbos no infinitivo impessoal.“
“Descrição das atividades, físicas ou mentais, realizadas pelo trabalhador, por força do poder de comando a que se submete,…“
-O seu Operador de Betoneira bombeia concreto?
-O seu Operador de Empilhadeira realiza manutenções previstas em equipamentos para movimentação de cargas?
“…com até novecentos e noventa e nove caracteres alfanuméricos.“
-A descrição da atividade obedece a esse requisito?
“As atividades deverão ser descritas com exatidão e de forma sucinta,…“
-As atividades reais realizadas pelo trabalhador foram descritas com exatidão e de forma sucinta?
-Todas as atividades descritas na CBO descrevem com exatidão e de forma sucinta as atividades realizadas pelo trabalhador?
-Há atividades descritas na CBO que o trabalhador não realiza?
“…com a utilização de verbos no infinitivo impessoal.“
-Os verbos da descrição CBO estão no infinitivo impessoal?
Os verbos na descrição CBO estão no presente do indicativo (planejam, realizam, preparam, etc) e devem ser utilizados no infinitivo impessoal. Para quem não sabe o que é verbo no infinitivo impessoal, é o verbo genérico ou vago, no modo que não se refere a nenhuma pessoa (sujeito). Exemplo: “Planejar e executar…”. Ele pode acontecer quando não se refere a um sujeito, quando vem depois da preposição “de”, servindo como complemento nominal, quando faz parte de uma locução verbal ou quando exprime ordem. A exigência da utilização de verbos no infinitivo impessoal é devido ao sistema SST do eSocial considerar a descrição da atividade do cargo e não do trabalhador. Diferente do Evento S-2220, que é individual, todos os Eventos componentes do S-2240 (atividades, fatores de riscos, EPI/EPC) se referem ao cargo. Portanto, é coletivo e não individual ou pessoal.
Exemplo: atividade do Operador de Betoneira:
“Programar a produção, fornecer concreto e misturar seus agregados, preparar o ambiente, os equipamentos de trabalho e os insumos do concreto, descarregar e bombear o concreto.”
Mas a real atividade geralmente é essa: “Operar a betoneira para preparar concretos e massas“. As atividades realizadas pelo trabalhador não precisam ser as mesmas da descrição CBO, devem ser as que realmente são realizadas. No entanto, devem possuir relação com a descrição CBO do cargo. Colocar que o Operador da Betoneira realiza serviços de instalações elétricas ou de pintura, por exemplo, também não pode.
Após essa descrição pode ser colocado entre parênteses ou enumerados abaixo as atividades adicionais, secundárias ou complementares:
Operar a betoneira para preparar concretos e massas:
1-Peneirar areia;
2-Abastecer a betoneira com agregados (massas, cimento, areia, brita);
3-Preparar massas e concretos e descarregar o preparo pronto em carros de mãos transportadores;
4-Realizar limpeza e lubrificar o equipamento.
Pronto. Desse modo atende a exigência legal instrucional. A ideia de que Instrução Normativa não vale porque não é lei é questionável. As NHO da FUNDACENTRO não são leis, mas passaram a ser de observância obrigatória nas medições ambientais porque foram chamadas pela lei. As NBR da ABNT não são leis, mas passam a ser de observância obrigatória quando são chamadas pela lei. Com as Instruções Normativas – IT a coisa não é diferente porque se encontram previstas nas leis. As IT aplicáveis a SST são a mesma coisa:
Exemplo: Decreto 3048/99:
Artigo 68:
“§ 7o O INSS estabelecerá os procedimentos para fins de concessão de aposentadoria especial, podendo, se necessário, confirmar as informações contidas nos documentos mencionados nos § 2o e 3o.”
“§ 12. Nas avaliações ambientais deverão ser considerados, além do disposto no Anexo IV, a metodologia e os procedimentos de avaliação estabelecidos pela Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho – FUNDACENTRO.”
Portanto, a INSTRUÇÃO NORMATIVA PRES/INSS Nº 128, DE 28 DE MARÇO DE 2022, que “Disciplina as regras, procedimentos e rotinas necessárias à efetiva aplicação das normas de direito previdenciário” não é apenas uma mera orientação sem validade legal.
PGR E PCMSO
Pelas linhas acima percebemos que a descrição CBO nem sempre condiz com a real atividade realizada pelo trabalhador. O problema se torna mais grave quando da descrição de atividades geradoras de riscos.
Durante a realização de auditorias tenho encontrado alguns problemas graves relacionados a utilização da CBO como descrição das atividades:
1-As atividades descritas não condizem com as atividades realmente realizadas pelo trabalhador;
2-Os riscos gerados pelas atividades descritas e não realizadas pelo trabalhador exigem controles semelhantes as atividades reais;
3-Os riscos gerados por algumas atividades reais realizadas pelo trabalhador não são controlados porque as atividades geradoras desses riscos não constam da descrição CBO;
4-Alguns riscos levantados, identificados, avaliados e controlados não se justificam na atividade CBO descrita;
5-As atividades descritas na CBO são realizadas de forma separada por trabalhadores do mesmo cargo/CBO.
São os problemas acima que a descrição CBO estão causando no PPP e nos programas de gestão, como PGR e PCMSO. No caso dos Serventes e Auxiliares de Serviços Gerais a coisa complica ainda mais. Há por exemplo, Auxiliares de Serviços Gerais que realizam apenas serviços de copa ou que realizam apenas serviços de carga e descarga. Nesse caso, o cargo e o código CBO são os mesmos. O que muda é a atividade e, consequentemente, os perigos, fatores de riscos e medidas preventivas. Para solucionar esse problema o gestor responsável deve diferenciar as atividades por Grupo de Trabalhadores – GT.
Exemplo:
GT-01-Aux. de Serv. Gerais – Realizar serviços de copa;
GT-02-Aux. de Serv. Gerais – Realizar serviços de carga e descarga;
GT-03-Aux. de Serv. Gerais – Realizar serviços de conservação de edifício;
GT-04-Aux. de Serv. Gerais – Lavar as instalações da unidade (lavar sanitários, caixas de água e reservatórios; recolher lixo).
Agrupar todos os trabalhadores no mesmo cargo/CBO, mesmo realizando atividades diferentes e expostos a fatores de riscos diferentes, foi o fato mais comum que encontrei em minhas auditorias. Coisas como um Aux. de Serviços Gerais que trabalhava como estampador de roupas, exposto a solventes aromáticos, constava na documentação como serviços de conservação e limpeza. Um Servente de obras que trabalhava no depósito de materiais distante da obra, sem nenhuma fonte de ruído, no eSocial se encontrava exposto a um nível de ruído de NEN = 100 dB(A), que era o nível de ruído do Servente auxiliar do Operador de Betoneira. Em outro caso, foram consideradas as medições apenas no tempo de medição (o Pedreiro cortando uma pedra com Makita), sem projeção da dose para a jornada de trabalho. E mesmo com Pedreiros trabalhando exclusivamente com restauro e na fachada, sem nenhuma fonte de ruído, no eSocial todos os Pedreiros constavam como expostos ao ruído gerado pela Makita. Não sei qual a explicação, mas as construtoras são as que estão sendo mais prejudicadas. Pior que os contadores não estão adequando os códigos GFIP aos fatores de riscos informados no PPP. Pior ainda é que só vão saber disso quando chegar o prejuízo. Lembrando que a descrição das atividades/GT deve ser a mesma no LTCAT, PPP, PGR, PCMSO e Ordem de Serviços de SST e deve corresponder as reais atividades realizadas pelo trabalhador. E os EPI devem contemplar todas as atividades descritas e geradoras de riscos. Com tantos assuntos importantes para serem estudados e debatidos, não sei como alguns profissionais ainda perdem tempo com postagens que ridicularizam e fazem piadas com SST.
Sentença do processo movido pelo Sindipetro-SJC, de 15/012018, da 5ª Vara do Trabalho de São José dos Campos, obriga a empresa retificar o PPP de todos os empregados e ex-empregados do setor de Transferência e Estocagem no prazo de 60 dias:
“A fim de que nesse documento conste a descrição correta das funções e tarefas constatadas na perícia, e especialmente o contato habitual com os agentes químicos descritos, com o agente ruído e com o agente perigoso, pelo labor em ambiente de risco” e estabelece multa diária de R$ 2.500,00 por dia pelo descumprimento da obrigação.
A descrição da CBO contraria a legislação e pode agregar atividades, perigos, fatores de riscos e medidas preventivas que não correspondem a realidade ocupacional do trabalhador. Também pode não reconhecer as reais atividades, perigos e fatores de risco, deixando de chamar as medidas preventivas necessárias e suficientes, além de prejudicar a gestão de SST. Portanto, deixe de preguiça, visite os locais de trabalho, entreviste e acompanhe o trabalhador para conhecer as suas reais atividades, perigos e fatores de risco. Atividades chamam perigos. Perigos chamam fatores de riscos. Fatores de riscos chamam medidas preventivas. Medidas preventivas chamam Gestão de SST. Gestão de SST chama registros reais e uniformes das situações ocupacionais dos trabalhadores.
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Entendido.
Ótimo artigo!
Muito obrigada!!!
Então no eSocial a descrição da função não diz respeito ao que o trabalhador executa mesmo estando no infinitivo pessoal?
Pelo que foi portado aqui, o eSocial não sabe, de fato, o que o trabalhador faz…
É isso?
Prezada:
“Então no eSocial a descrição da função não diz respeito ao que o trabalhador executa mesmo estando no infinitivo pessoal?”
Não diz respeito ao que o trabalhador executa se algum desavisado colocou a descrição da atividade CBO no eSocial como sendo a real atividade do trabalhador na integra, além de apenas colocar o código CBO, cujo escopo deve bater com a real descrição da atividade. No eSocial a descrição da atividade do trabalhador deve ser a mesma que o trabalhador realmente executa, por isso não pode ser a descrição da CBO, que é uma descrição genérica da ocupação e não ocupacional.
“Pelo que foi portado aqui, o eSocial não sabe, de fato, o que o trabalhador faz…”
“É isso?”
Exatamente. O eSocial não sabe o que o trabalhador realmente faz, por isso que existe PGR, PCMSO, Ordem de Serviços e o principal: LTCAT. Esses documentos devem descrever as mesmas atividades do trabalhador, com seus respectivos riscos, medidas preventivas e exames ocupacionais. Colocar a descrição das atividades constantes da CBO, mesmo que o trabalhador não realize todas as atividades descritas, implica na definição dos riscos respectivos, das medidas preventivas aplicáveis e dos exames médicos a serem realizados. Se a CBO diz que o operador da ferramenta realiza a manutenção da mesma, mesmo que não realiza na prática, deve constar os riscos, as medidas preventivas e os exames médicos referentes a atividade de manutenção da ferramenta. Por isso não pode usar a descrição CBO. O que não pode é colocar na descrição da atividade de um Pedreiro, por exemplo, que ele realiza atividades de instalação elétrica, visto que essa atividade está fora do escopo da CBO do Pedreiro