Tenho recebido uma enxurrada de mensagens via WhatsApp sobre uma Deliberação do CREA/PR que proíbe Técnicos em Segurança do Trabalho (TST) de assinar o PGR – Programa de Gerenciamento de Riscos.

Trata-se da Deliberação 04/2023 do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Estado do Paraná, registrada sob protocolo 29531/2023, deliberando que apenas Engenheiros de Segurança do Trabalho podem se responsabilizar pelo PGR, independente do tipo de estabelecimento/empreendimento. Nessa mesma deliberação, há também a determinação de que os profissionais de nível médio servem apenas como subsídio para os profissionais de nível superior e, portanto, somente os de nível superior podem assinar PGR.

A Portaria 671/2021 citada é aquela que, dentre outros assuntos,  também fala das atribuições dos TST e que já passou pela etapa de consulta pública para alteração, aguardando apenas a revisão da Comissão Tripartite. Na verdade o trecho dessa Portaria que fala das atribuições dos TST foi copiado na integra da Portaria MTb nº 3.275, de 21 de setembro de 1989, que foi revogada por ocasião dessa publicação. De qualquer forma, a Portaria 671 não conflita com as NR, está em revisão e possui o mesmo valor hierárquico das NR. 

A deliberação também enquadra os TST que elaboram PGR como criminosos por exercício ilegal da profissão, tipificada no Artigo 47 da lei de Contravenções Penais:

Art. 47. Exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício:

Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis.

Agora vamos a realidade:

1-Os TST que assinam PGR preenchem as condições que por lei está subordinado o seu exercício profissional (qualificado em segurança do trabalho);

2-A lei especifica os casos com exigência de que o elaborador seja profissional legalmente habilitado em segurança do trabalho, mas implementado sob responsabilidade da organização, como na NR-18, por exemplo, não conferindo a mesma exigência aos demais casos, que, fatalmente recai na exigência do profissional qualificado em segurança do trabalho (TST);

3-O CREA não tem autoridade haurida em lei para fiscalizar exercício profissional de profissionais que não são registrados na autarquia. Portanto, a Deliberação vale apenas para profissionais registrados no sistema CREA/CONFEA, conforme consta da sentença e da apelação:

Trata-se de remessa oficial e apelação interposta pelo Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado de São Paulo-CREA/SP, visando a reforma da r. sentença prolatada às fls. 268/275, que julgou procedente o pedido e concedeu a segurança a fim de determinar que o CREA se abstenha de praticar qualquer ato relacionado à exigência de registro, de fiscalização, de limitação ou de restrição ao exercício das atividades relacionadas com prevenção e segurança do trabalho exercidas pelos Técnicos de Segurança do Trabalho.“.

Há ainda o agravante de descumprimento de sentença judicial de duas instancias:

Dessa maneira, há de ser mantida a r. sentença de primeiro grau.

4-Essa Deliberação, quando extensiva a profissionais não integrantes dos sistema CONFEA, incorre em reserva de mercado, conforme Artigo quarto da LEI Nº 13.874, DE 20 DE SETEMBRO DE 2019:

Art. 4º  É dever da administração pública e das demais entidades que se vinculam a esta Lei, no exercício de regulamentação de norma pública pertencente à legislação sobre a qual esta Lei versa, exceto se em estrito cumprimento a previsão explícita em lei, evitar o abuso do poder regulatório de maneira a, indevidamente:

I – criar reserva de mercado ao favorecer, na regulação, grupo econômico, ou profissional, em prejuízo dos demais concorrentes;

Exceto, no caso de exercício ilegal da profissão de engenheiro, que não é o caso dos TST que elaboram PGR.

5-Já tentaram isso antes com os antigos PPRA e perderam a causa em todas as instâncias, conforme decisão do TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO. O PGR é sucessor do PPRA e também é um programa semelhante ao PPRA. Abaixo trechos da sentença:

Como definido nos artigos 2º e 3º da Lei nº 7.410/85, acima elencada, o exercício da profissão de Técnico de Segurança de Trabalho será permitido aos portadores de Certificado de Conclusão de Curso Técnico de Segurança do Trabalho, tendo como única exigência o registro perante o Ministério do Trabalho.

Destarte, as providências tomadas pelo CREA/SP, vão totalmente ao desencontro do que estabelecido na Lei 7.410/85, no art. 5º da Constituição Federal, bem como no art. 159 da CLT.

Conforme mencionado acima, somente mediante convênio autorizado pelo Ministro do Trabalho, poderão ser delegadas a outros órgãos federais, estaduais ou municipais atribuições de fiscalização ou orientação às empresas quanto ao cumprimento das disposições gerais constantes da CLT.

Portanto, não havendo o referido convênio com o CREA/SP, não há qualquer validade em sua atuação baseada na Resolução 437/1999.

Ora, resolução é ato normativo secundário e sua abrangência não pode extrapolar os limites da lei, tendo em vista a hierarquia das normas e o princípio da legalidade.

Dessa maneira, há de ser mantida a r. sentença de primeiro grau.

Proceda a Subsecretaria à renumeração dos presentes autos a partir das fls. 95.

Ante o exposto, afasto as preliminares arguidas pelo Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado de São Paulo-CREA/SP, e, no mérito, nego provimento à remessa oficial e à apelação, consoante fundamentação.

PRELIMINARES DO CREA (Resolução 437/1999-CONFEA):

Art. 5º Todo empreendimento econômico dos setores, industrial, comercial e agrícola fica sujeito a ter, nos termos da legislação vigente, um Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA, conforme o nível de risco que apresenta para os seus trabalhadores, que deve ser objeto de ART no CREA de jurisdição em que se localiza.

(…)

  • 5º Os CREAs definirão os tipos de empreendimentos econômicos cujos PPRAs e PCMATs poderão ser elaborados por Técnico de Segurança do Trabalho em função das características de seu currículo escolar, considerados, em cada caso, os conteúdos das disciplinas que contribuem para sua formação profissional.

DECISÃO DO TRF:

Assim, a competência apontada na Resolução 437/1999-CONFEA, que serviu de base para as autuações mencionadas no processo, bem como para o objeto do feito, que trata-se da exigência de registro, de fiscalização, de limitação ou de restrição ao exercício das atividades relacionadas com prevenção e segurança do trabalho exercidas pelos Técnicos de Segurança do Trabalho, não deve ser considerada.

ACÓRDÃO:

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, afastar as preliminares arguidas pelo Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado de São Paulo-CREA/SP, e, no mérito, negar provimento à remessa oficial e à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

6-Os dispositivos do CREA são hierarquicamente inferiores as legislações do Estado, como as Normas Regulamentadoras, que são Normas federais. E mesmo a NR-18 autoriza TST assinar PGR específicos;

7-Mesmo a Portaria 671/2021 utilizada como argumento contrário aos TST autoriza esses profissionais a elaborar PGR: “XVI – avaliar as condições ambientais de trabalho e emitir parecer técnico que subsidie o planejamento e a organização do trabalho de forma segura para o trabalhador;“. Qualquer um que fizer a devida exegese vai chegar a essa conclusão (é exatamente isso que o PGR faz). Aliás, todas as atribuições elencadas na Portaria 671/2021 dizem respeito ao PGR. 

Também há um sindicato de Engenheiros de Segurança que deliberou algo parecido, mas direcionado as pessoas jurídicas, pretendendo proibir empresas não registradas no CREA e sem um Engenheiro de Segurança como responsável técnico de atuar na área de segurança do trabalho, que nesse caso também não pode, pois também há jurisprudência a respeito: 

Se de um lado é prerrogativa do sindicato defender os direitos de toda categoria, de forma ampla, e, do outro, é direito dos empregados e empregadores não se filiar, dessa equação extrai-se que os sindicatos não podem fixar norma coletiva prevendo distinção entre filiados e não filiados”, argumentou o relator.

Novamente incorre no mesmo erro. Na época da decisão do TRF, publiquei o artigo “Confirmada juridicamente a competência dos Técnicos de Segurança para exercerem as atribuições vetadas pelo CREA, relacionando toda documentação que embasava os argumentos.  

Mas e se o CREA autuar o TST por conta desse dispositivo? Simples, lute pelos seus direitos. O Ministério Público existe para isso. (aproveite para reclamar também danos morais). Certamente as entidades como os sindicatos e a federação dos TST também já estão correndo atrás disso. Para entrar com mandado de segurança contra um órgão coator, há necessidade de prova do prejuízo, ou seja, há necessidade de uma multa decorrente dessa decisão. Daí é que parte a ação judicial. Reconheço que o terrorismo do CREA/PR é grande. Querer comparar TST devidamente autorizado por legislação federal, com respectivo registro no órgão competente (Ministério do Trabalho), com um criminoso que se finge de médico para auferir benefícios, é muita pretensão. Ainda mais com decisão do STF em favor dos TST.  

Na verdade, pelo Ministério do Trabalho, PGR nem pode ter ART porque contraria a NR-01, que delega a responsabilidade ao empregador. No artigo “Por que não pode emitir ART de PGR?eu faço uma explanação sobre esse assunto. Abaixo print da página 18 da publicação “PERGUNTAS FREQUENTES: NORMA REGULAMENTADORA Nº 01 – DISPOSIÇÕES GERAIS E GERENCIAMENTO DE RISCOS OCUPACIONAIS”:

Nessa mesma publicação oficial (página 16) temos:

Não é legislação, mas é publicação oficial embasada na legislação. E na justiça possui um peso enorme porque se trata de um posicionamento oficial. O CREA/PE nunca fez ataques nem perseguiu TST, mesmo quando a famigerada Resolução 437/1999-CONFEA estava na moda (que após decisão do TRF só aplicam aos profissionais registrados no sistema CONFEA/CREA e nos caos de exercício ilegal da engenharia). Pelo contrário, o CREA/PE sempre conviveu muito bem com os TST. E espero que continue assim. Parece que esses ataques de pelanca são próprios dos CREA PA e SP. Não tomam vergonha mesmo. Ações por danos morais também cabem nesses processos. Mesmo TST prejudicados apenas com a publicação dessa Decisão-Deliberação, no caso de recusa de documentos com base na mesma, cabe danos morais. Para isso o profissional prejudicado deve pedir ao recusante o motivo da recusa por escrito. A forma mais rápida de resolver essa demanda é constituir advogado competente, que não seja mero administrador de processos, como a maioria que está aí no mercado. Aliás, profissional habilitado é o que mais tem no mercado. O que falta é profissional capacitado.     

…posicionar que somente o engenheiro de segurança do trabalho pode se responsabilizar pelo PGR – Programa de Gerenciamento de Risco, independente do tipo de estabelecimento/empreendimento”  por enquanto é apenas um posicionamento, com validade apenas intramuros. Caso extrapole disso, será hora de avocar  os dispositivos legais.

Como vimos, não há a menor possibilidade desses atos normativos prosperarem juridicamente, considerando que há jurisprudência favorável aos TST. Sim, frente ao exposto, com vários dispositivos legais, oficiais e jurisprudenciais favoráveis aos TST, não há espaço para sucesso por parte do CREA. Certamente os membros daquela autarquia não tomaram conhecimento da decisão do TRF. Conversei com os advogados que trabalham em parceria comigo e eles emitiram o mesmo parecer jurídico (favorável aos TST). Em meu entendimento trata-se apenas de um órgão representante de uma classe tentando forçosamente e sem o devido conhecimento jurídico defender interesses próprios (lucros das ART). Portanto, em vez de fazer terrorismo, os TST devem é lutar pelos seus direitos. Concluindo, a tal Deliberação não proíbe nada com coisa nenhuma e ainda, descumpre a legislação (promove reserva de mercado e impedimento de função), sentença judicial e mandado de segurança. Os TST devem continuar elaborando e assinando PGR normalmente, como sempre fizeram. Lembrando mais uma vez que TST registrado no CREA, além de ter seus direitos cerceados, ainda prejudicam a classe e praticam exercício ilegal da profissão, conforme sentença judicial citada. Para confirmar oficialmente a sentença TRT acesse esse LINK e clique em 17/07/2017 – Diário Eletrônico Nº 131, em seguida role até a página 81 do documento.

 

SENTENÇA TRT:

“…o CREA se abstenha de praticar qualquer ato relacionado à exigência de registro, de fiscalização, de limitação ou de restrição ao exercício das atividades relacionadas com prevenção e segurança do trabalho exercidas pelos Técnicos de Segurança do Trabalho.“;

DELIBERAÇÃO DO CREA/PA:

…posicionar que somente o engenheiro de segurança do trabalho pode se responsabilizar pelo PGR – Programa de Gerenciamento de Risco, independente do tipo de estabelecimento/empreendimento” .

Teste seus conhecimentos jurídico e de exegese legal: O que deve ser cumprido: mandado segurança + sentença TRT ou posicionamento CREA/PA? Sim, temos mais um caso de analfabetismo ideológico.

P.S. 01: OFÍCIO SINTESP/SINTESTS

Apesar de já termos a resposta, vamos acompanhar as ações relacionadas ao assunto e publicar como Post Scriptum:

Alguns sindicatos dos TST já emitiram oficio conjunto ao Ministro do Trabalho e ao Secretário da Inspeção do Trabalho comunicando o fato e exigindo providencias. Isso porque, como os TST não possuem Conselho de Classe, estão solicitando ao Ministério do Trabalho, onde possuem registro profissional. A medida objetiva a geração de uma Nota Técnica direcionada a questão do PGR, já que na época da contenda anterior o documento em epígrafe era o PPRA. Ainda não cabe Mandado de Segurança porque o CREA/PR ainda não coagiu nenhum TST, mas cabe danos morais, no caso de prejuízos decorrentes da publicação da Deliberação. A pergunta que fica é: por que não consta do Ofício TODOS os sindicatos?  O de PE, por exemplo, não consta. Vamos aguardar o posicionamento do Ministério do Trabalho por meio de Nota Técnica, que não deve contrariar as decisões anteriores já consolidadas por meio de Notas Técnicas e publicações oficiais (muito menos, a legislação aplicável). Abaixo Ofício SINTESP/SINTESTDF:

OFICIO CONJUNTO – SINTESP E SINTESTS 

P.S. 02: RESPOSTA MINISTÉRIO DO TRABALHO

O Ministério do Trabalho através Orientação Técnica SIT 3/2023, responde:

1. O PGR é de responsabilidade da organização, sendo um programa – e não um documento – de gestão de todos os perigos e riscos ocupacionais a que os trabalhadores estão expostos nas atividades da organização e de definição das respectivas medidas de prevenção a serem implementadas.

Sem novidades. O profissional de SST que não sabe disso deve rasgar seu diploma.

2. Não se ignora, todavia, que seus métodos para a identificação e a forma de atuação são registrados em documentos, como o inventário de riscos e o plano de ação, que precisam ser datados e assinados por seus responsáveis.

Não ficou muito claro. Pela NR-01 sabemos que “os responsáveis” são os empregadores. Também no item 1 da mesma orientação diz que “O PGR é de responsabilidade da organização. Mas alguns adoram eisegese e podem empurrar aí que os responsáveis são os ELABORADORES.  


3. Ressalvadas algumas exceções inseridas em Normas Regulamentadoras específicas, não há a definição do profissional responsável pela elaboração/implementação do PGR, cabendo-se observar que o profissional deve ter conhecimento técnico condizente com a complexidade dos perigos e riscos existentes no meio ambiente de trabalho.” 

Aqui ficou claro, mas cabe a desonesta eisegese, principalmente com utilização da falácia “…é apenas uma orientação, sem valor legal“, fingindo que não há legislação e jurisprudência a respeito.

ORIENTAÇÃO TÉCNICA Nº 3.2023-SIT-MTE – PGR

 

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