Juris tantum é uma expressão em latim utilizada no meio jurídico que significa literalmente “apenas de direito”. Comumente essa expressão está associada a palavra “presunção”, ou seja, presunção “juris tantum”, que consiste na presunção relativa, válida até prova em contrário.

Exemplo:

Art. 204, parágrafo único do CTN:

– A dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída.

Parágrafo único – A presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do sujeito passivo ou do terceiro a que aproveite.

Art. 1.600 do CC:

Art. 1.600. Não basta o adultério da mulher, ainda que confessado, para ilidir a presunção legal da paternidade.

Entendimento do TJDFT:

Presume-se a culpa do motorista que colide na parte traseira do veículo que está imediatamente a sua frente. A referida presunção de culpa é juris tantum, podendo ser elidida pela demonstração de que o acidente foi ocasionado pelo condutor do veículo abalroado. 

Mais o que isso tem a ver com segurança do trabalho?

NR 15 – ATIVIDADES E OPERAÇÕES INSALUBRES – ANEXO N.º 13 – AGENTES QUÍMICOS
1. Relação das atividades e operações envolvendo agentes químicos, consideradas, insalubres em decorrência de inspeção realizada no local de trabalho. Excluam-se cesta relação as atividades ou operações com os agentes químicos constantes dos Anexos 11 e 12.“.

DECRETO 3048/99:

Art. 64:

§ 2º: Para fins do disposto no caput, a exposição aos agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou a associação desses agentes, deverá superar os limites de tolerância estabelecidos segundo critérios quantitativos ou estar caracterizada de acordo com os critérios da avaliação qualitativa de que trata o § 2º do art. 68.”  

§1º  A efetiva exposição a agente prejudicial à saúde configura-se quando, mesmo após a adoção das medidas de controle previstas na legislação trabalhista, a nocividade não seja eliminada ou neutralizada.

§1º-A  Para fins do disposto no § 1º, considera-se:      

I – eliminação – a adoção de medidas de controle que efetivamente impossibilitem a exposição ao agente prejudicial à saúde no ambiente de trabalho; e     

II – neutralização – a adoção de medidas de controle que reduzam a intensidade, a concentração ou a dose do agente prejudicial à saúde ao limite de tolerância previsto neste Regulamento ou, na sua ausência, na legislação trabalhista.

Art. 68.  A relação dos agentes químicos, físicos, biológicos, e da associação desses agentes, considerados para fins de concessão de aposentadoria especial, é aquela constante do Anexo IV.  

§ 2º  A avaliação qualitativa de riscos e agentes prejudiciais à saúde será comprovada pela descrição:  

I – das circunstâncias de exposição ocupacional a determinado agente ou associação de agentes prejudiciais à saúde presentes no ambiente de trabalho durante toda a jornada de trabalho;        

II – de todas as fontes e possibilidades de liberação dos agentes mencionados no inciso I; e    

III – dos meios de contato ou exposição dos trabalhadores, as vias de absorção, a intensidade da exposição, a frequência e a duração do contato.

Se há circunstâncias, fontes com possibilidade de liberação, meios de contato ou exposição de trabalhadores, vias de absorção, frequência e duração do contato, há nocividade presumida. 

Os agentes nocivos de avaliação qualitativa são de nocividade presumida, independente de mensuração, constatada pela simples presença do agente no ambiente de trabalho, conforme constante nos Anexos 6, 13, 13-A e 14 da Norma Regulamentadora -NR-15 – NR-15 do MTE, e no Anexo IV do RPS, para os agentes iodo e níquel. Para esses agentes a nocividade é presumida pela simples presença no ambiente de trabalho. Mas como foi dito, essa nocividade é apenas presumida, podendo ser elidida caso a organização consiga provar o contrário.  E a prova contrária para os agentes possuidores de nocividade presumida (os de avaliação qualitativa) se dá em função da eliminação da nocividade. Tal eliminação pode ser conseguida apenas por meio da adoção das medidas de controle dos riscos previstas na legislação trabalhista, como por exemplo, enclausuramento do processo, substituição do produto, mecanização da atividade, instalação de exaustores, etc  Como exemplo, podemos aplicar e comprovar os conceitos da eliminação de qualitativos no ambiente de trabalho por meio de um EPC, como um exaustor, apenas se após as medições dos componentes possuidores de Limites de Tolerância (preferencialmente os mais nocivos e de baixos percentuais na composição) esses agentes não aparecerem nas medições. O ideal seria realizar medições em varredura. O problema é que não existe medições em varredura para todos os agentes qualitativos. Um exemplo disso é o agente fumos de asfalto (mas existe para os componentes negro de fumo, monóxido de carbono e outros). O mascaramento das medições devido a outros componentes com propriedades químicas semelhantes também é outro problema que pode ser encontrado.    

Veja que, para agentes qualitativos, o EPI não pode ser utilizado para comprovar eliminação ou neutralização do agente nocivo, considerando que a concentração do agente no ambiente de trabalho não pode ser conhecida por meio de levantamento quantitativo e deduzida do fator de proteção do EPI. Os respiradores de pressão negativa, por exemplo, possuem Fator de Proteção Respiratória – FPR estimado em 10 vezes o Limite de Tolerância. Já os de pressão positiva (ar mandado ou autônomo) podem eliminar do ambiente respirável ou atmosfera respirável do trabalhador o agente nocivo, considerando o uso eficiente e eficaz. Os agentes qualitativos geralmente são compostos químicos formados por misturas de vários produtos, havendo Limites de Tolerância para uns e outros não. Por isso não constam do Anexo 11 da NR-15. No entanto, para fins de estimação das concentrações no ambiente de trabalho, a organização pode realizar medições em varredura (se possível), para os componentes que possuem Limites de Tolerância definidos no Anexo 11.

Para agentes qualitativos, a eliminação se dá apenas pela adoção de medidas de controle que efetivamente impossibilitem a exposição ao agente prejudicial à saúde no ambiente de trabalho. Eliminação significa nenhuma exposição.

Já a neutralização para agentes qualitativos, realizada por meio da adoção de medidas de controle que reduzam a intensidade, a concentração ou a dose do agente prejudicial à saúde ao Limite de Tolerância, não é possível em função de:

a) Não ser possível comprovar o nível de exposição (intensidade/concentração no organismo do trabalhador) a que o trabalhador se encontra exposto, pela impossibilidade de conhecimento da intensidade ou concentração do agente nocivo referendado por Limites de Tolerância;

b) Não ser possível comprovar a neutralização, demonstrando que a concentração do agente nocivo no ambiente, deduzida do do EPI ou EPC, ficou abaixo do Limite de Tolerância nas vias aéreas do trabalhador (para respiráveis), por exemplo. 

Tal argumentação é novamente comprovada quando analisamos o texto referente aos cancerígenos (Art. 68 do Decreto 3048/99):

§ 4º  Os agentes reconhecidamente cancerígenos para humanos, listados pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, serão avaliados em conformidade com o disposto nos § 2º e § 3º deste artigo e no caput do art. 64 e, caso sejam adotadas as medidas de controle previstas na legislação trabalhista que eliminem a nocividade, será descaracterizada a efetiva exposição.“.

Devem ser adotadas medidas de controle que ELIMINEM e não neutralizem a nocividade. E a nocividade é presumida pela simples presença no ambiente de trabalho, não havendo limite seguro haurido em lei, ratificando que: “eliminação – a adoção de medidas de controle que efetivamente impossibilitem a exposição ao agente prejudicial à saúde no ambiente de trabalho“.     

Para os agentes de nocividade presumida, Laudos de Avaliação da Insalubridade e da Periculosidade, bem como, Laudos Técnicos de Condições Ambientais de Trabalho – LTCAT, estão sendo derrubados na justiça todos os dias por conta dessa presunção. Isso porque não é possível aplicar os conceitos legais da neutralização a esses agentes, mas apenas os conceitos da eliminação. Não basta apenas concluir subjetivamente que a exposição não é nociva ou que a nocividade foi neutralizada com uso do EPI ou EPC. Apenas para agentes quantitativos é que essa neutralização pode ser comprovada de forma direta com uso do EPI/EPC. Se há a presunção da nocividade, o ônus da prova é da organização. É a organização que deve provar que o agente nocivo foi eliminado do ambiente de trabalho.

Como foi demonstrado acima, a única forma possível de elidir a presunção da nocividade (prova em contrário) dos agentes qualitativos é por meio da eliminação do agente nocivo no ambiente de trabalho, considerando que não há como aplicar o conceito legal da neutralização e estabelecer limite seguro com adoção de medidas de controle. Muito menos para todos os agentes nocivos e seus diversos Limites de Tolerância das substâncias integrantes do produto. Não consigo visualizar outro entendimento. Esta foi a conclusão que cheguei após análise técnica e legal da questão, mas o espaço está aberto a contestações e contribuições de todos que desejem participar dessa discussão. Obrigado.       

Fonte da imagem: Heitor Borba.

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