Tomei conhecimento que algumas contratantes estão recusando ASO com descrição dos fatores de risco em vez da descrição dos perigos. A alegação é a de que no ASO deve constar a descrição dos perigos e não dos fatores de risco.

O novo ASO – Atestado de Saúde Ocupacional trouxe algumas alterações já discutidas no artigo “Preenchimento do novo ASO“. Neste artigo vamos ver apenas a descrição dos perigos ou riscos que devem constar no ASO:

7.5.19.1 O ASO deve conter no mínimo:
a) razão social e CNPJ ou CAEPF da organização;
b) nome completo do empregado, o número de seu CPF e sua função;
c) a descrição dos perigos ou fatores de risco identificados e classificados no PGR que necessitem de controle médico previsto no PCMSO, ou a sua inexistência;
d) indicação e data de realização dos exames ocupacionais clínicos e complementares a que foi submetido o empregado;
e) definição de apto ou inapto para a função do empregado;
f) o nome e número de registro profissional do médico responsável pelo PCMSO, se houver;
g) data, número de registro profissional e assinatura do médico que realizou o exame clínico.

A descrição pode ser dos perigos ou dos fatores de riscos. Isso porque a expressão “a descrição dos perigos ou fatores de risco…” traz um “ou” exclusivo e não inclusivo (é uma disjunção). Novamente o conhecimento da língua é importante para possibilitar a devida exegese do texto legal. 

Os conectivos lógicos, que também são chamados de operadores lógicos, são símbolos ou palavras utilizadas para unir duas ou mais proposições. O objetivo é conferir um valor lógico a proposição. Os conectivos lógicos mais utilizados são:

OPERADOR SIMBOLO DESCRIÇÃO DA PROPOSIÇÃO INTERPRETAÇÃO
e p Ʌ q Conjunção Só será verdadeiro (V) quando ambos (“p” e “q”) forem verdadeiros (V) ao mesmo tempo
ou p V q Disjunção Será verdadeiro (V) se pelo menos um (“p” ou “q”) for verdadeiro (V)
se… então… p => q Condicional Será falso (F) quando “p” for verdadeiro (V) e “q” for falso (F)
se e somente se p <=> q Bicondicional Só será verdadeiro (V) quando “p” e “q” forem verdadeiros (V) ao mesmo tempo ou quando forem falsos (F) ao mesmo tempo
ou (…) ou p V q Disjunção exclusiva Para ser verdadeiro (V) quando um for verdadeiro (V) o outro terá que ser falso (F)

 

O conectivo “e” expressa conjunção e possui símbolo “Ʌ”. Exemplo:

Maria (p) é professora e Patrícia (q) médica => p Ʌ q

Percebemos que uma proposição conjuntiva é verdadeira apenas se ambas as afirmativas forem verdadeiras. Na proposição acima ambos devem desempenhar funções específicas para haver um valor lógico verdadeiro.

Já o conectivo “ou” expressa disjunção e possui símbolo “V”. Exemplo:

Vou pedalar (p) ou caminhar (q) => p V q

Uma proposição disjuntiva possui valor falso somente se ambas as afirmativas forem falsas, caso contrário, obrigatoriamente deverá ser considerada verdadeira. Na proposição acima, ou o indivíduo vai pedalar ou vai caminhar. Se não for caminhar vai pedalar.

Então, na expressão “a descrição dos perigos (p) ou fatores de risco (q)…“, temos: p V q. É uma DISJUNÇÃO porque os elementos apresentados são excludentes, ou descreve os perigos ou os fatores de riscos, não se podendo optar pelos dois elementos, mas ambos podem ser considerados no ASO. (Será verdadeiro (V) se pelo menos um (“p” ou “q”) for verdadeiro (V)). A opção por ambos aconteceria somente se fosse “a descrição dos perigos (p) E/OU fatores de risco (q)…” ou “a descrição dos perigos (p) E DOS fatores de risco (q)…” . Mas não é isso que ocorre no texto legal. É claro que no caso da linguagem natural aplica-se muito o senso comum. Muitas vezes o “ou” não significa necessariamente exclusão, mas certamente para um ser verdadeiro o outro deve ser falso.

Abaixo as definições de risco e perigo:

RISCO

Risco é a combinação da probabilidade de ocorrência de um evento perigoso ou exposição(ões) com a gravidade da lesão ou doença que pode ser causada pelo evento ou exposição(ões) (OHSAS 18001);

Risco é a capacidade de uma grandeza com potencial para causar lesões ou danos à saúde das pessoas (NR-10);

Risco relacionado ao trabalho ou risco ocupacional é a combinação da probabilidade de ocorrência de eventos ou exposições perigosas a agentes nocivos relacionados aos trabalhos e da gravidade das lesões e problemas de saúde que podem ser causados pelo evento ou exposição (NR-01).

Desse modo, Riscos é a probabilidade de ocorrência ou exposição a determinada situação ou evento potencialmente perigoso à saúde e integridade física do trabalhador. Risco é a exposição ao perigo.

PERIGO

Perigo é toda fonte, situação ou ato com um potencial para o dano em termos de lesões, ferimentos ou danos para a saúde, ou uma combinação destes (OHSAS 18001);

Perigo é a situação ou condição de risco com probabilidade de causar lesão física ou dano à saúde das pessoas por ausência de medidas de controle (NR-10);

Perigo ou fator de risco é a fonte com potencial para causar lesão ou problemas de saúde (NR-01).

Desse modo, Perigo é toda fonte (atividade, operação, ferramenta, máquina, equipamento, situação, ambiente, substancia, energia, etc) com potencial de causar danos à saúde e integridade física do trabalhador.

Os riscos ou perigos a serem descritos no ASO devem ser os identificados e avaliados no PGR e considerados no PCMSO para determinação dos exames médicos ocupacionais. E podem ser descritos tanto os fatores de risco quanto os perigos. Eu particularmente prefiro a descrição dos fatores de risco. Os fatores de risco podem ser apresentados de forma mais objetiva do que os perigos. O perigo “máquina tal”, por exemplo, pode expor o trabalhador a vários riscos, como “partes móveis”, “partes cortantes”, “pressão sonora elevada”, “projeção de partículas”, etc  No entanto, por força das medidas preventivas, um perigo pode não expor nenhum trabalhador a fatores de risco (ou expor sem potencial de causar danos a saúde e integridade física). Somente as medidas preventivas implementadas podem alterar o perfil de exposição dos trabalhadores aos riscos. Por isso, em meu entendimento, considerar também a descrição dos perigos no texto foi um erro do legislador. Portanto, é a exposição a fatores de risco oriundos dos perigos que importa para o PCMSO. E  não os perigos.  

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