eSocial retoma a discussão sobre riscos ergonômicos e de acidentes no PPRA – Por Heitor Borba

 

Mais uma questão que já estava pacificada e veio à tona em decorrência do advento do eSocial.

Publiquei vários artigos sobre o tema[1] e nunca fui refutado. Apenas argumentações pueris rondam a net. Por isso, novamente apresento antigas e recentes provas que os riscos ergonômicos e de acidentes são de reconhecimento obrigatório no PPRA, além de refutar algumas argumentações.

De uma vez por todas:

Os riscos ergonômicos e de acidentes devem ser reconhecidos no PPRA por força da NR-09:[2]

9.6.2 O conhecimento e a percepção que os trabalhadores têm do processo de trabalho e dos riscos ambientais presentes, incluindo os dados consignados no Mapa de Riscos, previsto na NR-5, deverão ser considerados para fins de planejamento e execução do PPRA em todas as suas fases.

E, não. Não fala somente de riscos ambientais. O texto continua: “…incluindo os dados consignados no Mapa de Riscos, previsto na NR-5…”, que contempla também os riscos ergonômicos e de acidentes. Se fosse para contemplar apenas os riscos ambientais o texto seria:

9.6.2 O conhecimento e a percepção que os trabalhadores têm do processo de trabalho e dos riscos ambientais presentes deverão ser considerados para fins de planejamento e execução do PPRA em todas as suas fases. “Não há dispositivo legal que impeça que os riscos ergonômicos e mecânicos sejam incluídos no PPRA.

O Precedente Administrativo nº 95 [3] não proíbe:

PRECEDENTE ADMINISTRATIVO Nº 95

PROGRAMA DE PREVENÇÃO DE RISCOS AMBIENTAIS – PPRA. RISCOS MECÂNICOS E ERGONÔMICOS.

Os riscos mecânicos e ergonômicos não são de previsão obrigatória no PPRA.

Referência normativa: subitem 9.1.5 da NR nº 9.

E mesmo que proibisse não teria efeito algum, considerando que é hierarquicamente inferior a NR-09, que foi aprovada por uma Portaria.

O texto é claro. Não precisa de exegese e não adianta eisegese. Dispensa hermenêutica epistemológica ou jurídica. Fico imaginando o que esse pessoal do contraditório fazia durante as aulas de interpretação de texto.

Outra exigência legal da NR-09:[2]

9.1.3 O PPRA é parte integrante do conjunto mais amplo das iniciativas da empresa no campo da preservação da saúde e da integridade dos trabalhadores, devendo estar articulado com o disposto nas demais NR, em especial com o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO previsto na NR-7.

Pois é, sem o reconhecimento dos riscos ergonômicos e de acidentes no PPRA o PCMSO[4] não pede exames para trabalhos em altura, espaço confinado, acuidade visual e demais exames específicos ou mesmo clínicos, com foco nos males causados pelos riscos ergonômicos. Não se trata de interpretar “…devendo estar articulado com o disposto nas demais NR…” como sendo incluir os riscos ergonômicos e mecânico/de acidentes no PPRA. O que é estranho é o fato de todos os críticos da inclusão desses riscos no PPRA omitirem o item 9.6.2 da NR-09.

Quer mais uma obrigatoriedade?

Anexo I da NR-09, item “3”:

3. Avaliação Preliminar da Exposição

3.1 Deve ser realizada avaliação preliminar da exposição às VMB e VCI, no contexto do reconhecimento e da avaliação dos riscos, considerando-se também os seguintes aspectos:

………………………………………………………………………………………………………….………

h) esforços físicos e aspectos posturais;

…………………………………………………………………………………………………..……………….

E ainda contraria o Precedente Administrativo 95, citado, ocasionando a sua total nulidade.

Tem mais:

“NR-17 – ERGONOMIA – ANEXO II TRABALHO EM TELEATENDIMENTO/TELEMARKETING

8. PROGRAMAS DE SAÚDE OCUPACIONAL E DE PREVENÇÃO DE RISCOS AMBIENTAIS

8.5. As ações e princípios do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA devem ser associados àqueles previstos na NR-17.”

NR 32 – SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO EM SERVIÇOS DE SAÚDE

3.1 A Comissão Gestora deve analisar as informações existentes no PPRA e no PCMSO, além das referentes aos acidentes do trabalho ocorridos com materiais perfurocortantes.

32.3.9.2 Deve constar no PPRA a descrição dos riscos inerentes às atividades de recebimento, armazenamento, preparo, distribuição, administração dos medicamentos e das drogas de risco.

NR-36 – SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO EM EMPRESAS DE ABATE E PROCESSAMENTO DE CARNES E DERIVADOS

36.12 Programas de Prevenção dos Riscos Ambientais e de Controle Médico de Saúde Ocupacional. 

36.12.1 O Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA e o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO devem estar articulados entre si e com as demais normas, em particular com a NR-17.

36.13.2.4 A empresa deve medir o tempo de troca de uniforme e de deslocamento até o setor de trabalho e consigná-lo no PPRA ou nos relatórios de estudos ergonômicos.

A minuta da Norma Regulamentadora de Limpeza Urbana, disponível na aba “Consultas Públicas” da SIT-Secretaria de Inspeção do Trabalho, também exige a inclusão dos riscos ergonômicos e de acidentes no PPRA (apesar da forte influência contrária do CONFEA):

3 – Programa de Prevenção de Riscos Ambientais e Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional

3.1 – O Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA e o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO devem estar articulados entre si e com as demais normas, em particular com a Norma Regulamentadora n.º 17 (NR-17).

3.2 – O PPRA, além do previsto na Norma Regulamentadora n.º 09 (NR-09), deve conter:

a – medidas de controle para a exposição aos riscos de natureza ergonômica e outros gerados pela organização do trabalho;

b – medidas de controle para exposição aos riscos de acidentes;

c – identificação dos riscos biológicos mais prováveis, em função das características das atividades realizadas, considerando fontes de exposição, vias de transmissão e de entrada e transmissibilidade, patogenicidade e virulência do agente;

d – análise por amostragem de resíduos recolhidos dos locais de coleta, transbordo ou destinação final, por rota e/ou origem, em periodicidade mínima anual, com o objetivo de subsidiar medidas de controle e prevenção a serem adotadas.

E ainda tem profissional em dúvida porque o nome é PPRA – Programa de Prevenção de Riscos Ambientais e não PPRO – Programa de Prevenção de Riscos Operacionais, PPRAO – Programa de Prevenção de Riscos Ambientais e Operacionais ou mesmo PPRO – Programa de Prevenção de Riscos Ocupacionais, que engloba os riscos ambientais e operacionais. Como se o nome tivesse algum peso diante da legislação. Preciso comentar mais alguma coisa?

Mas o que o eSocial tem a ver com isso? A resposta é nada. Os critérios da legislação previdenciária são diferentes dos da legislação trabalhista. E a citação dos riscos ergonômicos e de acidentes no eSocial, na forma da legislação,  não pode ser extraída do reconhecimento de riscos do PPRA. O reconhecimento dos riscos ergonômicos e de acidentes do PPRA é subjetivo, mas é necessário para identificar demandas. As demandas mais simples podem ser resolvidas no PPRA, como a colocação de um banco para descanso entre as pausas do trabalho. Para demandas mais complexas o PPRA deve chamar a AET – Análise Ergonômica no Trabalho da NR-17 no Cronograma de Ações.[5] Se não há demandas ergonômicas no PPRA, quem vai apontar a necessidade de elaboração e implementação da AET?

Aliás, todas as ferramentas para análise dos riscos ergonômicos da NR-17 também utilizam critérios subjetivos, baseados na percepção dos trabalhadores para reconhecimento e quantificação dos riscos. E mesmo as que possuem critério mais científico (como por exemplo, NIOSH, utilizada para estabelecimento da carga máxima a ser erguida), não são suficientes para garantia da segurança do trabalhador, quando utilizadas individualmente. Claro que a AET, em função de uma análise mais apurada, pode desconsiderar alguns riscos ergonômicos reconhecidos primariamente no PPRA. Qual é o problema disso ocorrer? Apenas alterar o Mapa de Riscos e o Reconhecimento de Riscos do PPRA. Mas o registro da percepção dos trabalhadores é obrigatória. E o PPRA deve ser elaborado em conjunto com os trabalhadores.

Os riscos ergonômicos do eSocial não são os mesmos do PPRA e da AET porque possuem focos e objetivos diferentes. Enquanto no PPRA e na AET da NR-17 o objetivo é a prevenção, baseada no potencial do risco de causar danos, independentemente de haver estatísticas apontando para os danos decorrentes de algum risco, na AET do eSocial foram considerados os riscos causadores de benefícios pagos pelo INSS a segurados expostos. Por isso há uma Tabela no Manual do eSocial[6] especificando os riscos ergonômicos e de acidentes que devem ser considerados ou avaliados. Para quem não sabe, há outros riscos ergonômicos e de acidentes que não foram citados nesse Manual. O INSS considerou apenas o que interessava a autarquia. A AET do eSocial não atende a NR-17, principalmente os Anexos I e II. E isso não é prevenção. É contenção de gastos com doentes. É recomendável elaborar uma AET específica para atender ao eSocial (levando-se em conta o texto atual da NR-17, que em breve será alterado, alterando também as exigências do eSocial). Da forma como se encontram os textos da NR-17 e da análise ergonômica do eSocial, ou se elabora a AET da NR-17 com a análise do eSocial anexa ou se elabora duas AET, uma para cada finalidade. Programas preventivos não precisam de doentes para fazer prevenção e nem objetivam estabelecimento de nexo causal entre trabalho e doença. Doentes apontam para o fracasso da Gestão de Segurança e Saúde no Trabalho e, consequentemente, dos programas preventivos. Por que nossos prevencionistas não são preventivos?

Outra argumentação sem fundamento é a de que o PPRA não possui ferramentas específicas para avaliar os riscos ergonômicos. Sim, possui. Embora não seja aconselhável, por motivos práticos, podemos incluir a AET no PPRA:

…devendo estar articulado com o disposto nas demais NR,…” (item 9.1.3 da NR-09)[2]

Além do mais devemos levar em consideração que o reconhecimento dos riscos no PPRA deve ser realizado de forma subjetiva, com base na percepção dos trabalhadores, como medida inicial para identificar demandas (O reconhecimento dos riscos do PPRA é o Mapa de Riscos da NR-05 mais detalhado). E não pode e nem deve bater com a tabela de riscos do eSocial, muito menos seguir a mesma metodologia exigida nessa base de dados.

Citar apenas o primeiro parágrafo da NR-09 e esquecer os demais não é muito honesto.

No entanto, embora não seja recomendado, conforme demonstrado acima, é possível adaptar o PPRA para atender ao eSocial precariamente quanto aos riscos ergonômicos e de acidentes, mesmo sem anexar a AET ao Programa. Minha proposta seria reconhecer esses riscos no PPRA contemplando também os riscos citados na tabela do Manual do eSocial. Nesse caso, a citação da metodologia utilizada e exigida no eSocial seria: “Inspeção do local de trabalho com levantamento qualitativo e registro da percepção dos trabalhadores quanto aos riscos existentes, conforme item 9.6.2 da NR-09”. Sim. Isso também é uma metodologia. Uma muleta técnica utilizada para simplificação extrema do problema, reconheço, mas que pode ser utilizada para identificar as demandas da AET ou justificar a sua elaboração, considerando que a NR-17 não obriga todas as empresas quanto a elaboração desse documento.  O terrorismo que alguns fizeram na internet com relação a citação desses riscos no eSocial, motivado unicamente pela reserva de mercado e cobrança de preços abusivos para elaboração da AET, não funcionou. Agora esses alarmistas vão ter que se acostumar a uma simplificação ainda maior do que essa que foi proposta acima: a NR-17 será simplificada.

Se a inclusão dos riscos ergonômicos e de acidentes no PPRA é obrigatória, conforme demonstrado acima, qual o problema de se incluir esses agentes nos programas preventivos? O único problema que vejo é o medo de alguns profissionais que ganham dinheiro elaborando AET e análises de riscos em perder esse nicho do mercado. E para isso arranjam os argumentos mais absurdos possíveis. Não tem outra explicação. Na verdade, deveriam até estimular essa obrigatoriedade legal. É o PPRA que chama a AET e as demais medidas preventivas. Apresentar a definição de riscos ambientais da NR-09 não diz nada. Se for para seguir essa linha temos que os riscos umidade e frio também não devem ser considerados no PPRA, pois não se enquadram em nenhuma das definições de riscos ambientais propostas nesse dispositivo legal. Excluir os riscos ergonômicos e de acidentes do PPRA, descaracterizando-o como programa preventivo e o transformando em um laudo para justificar a assinatura do engenheiro não é uma boa ideia. E essa conversa de que está em dúvida porque uns dizem que deve e outros dizem que não deve não é desculpa. A quem alega cabe o ônus da prova. Sem prova qualquer afirmação é falácia e Argumentum Ad Verecundiam não funciona com profissionais confiáveis. E essa é a única conclusão possível para o tema. Alguém se habilita a refutar?

Referencias:

[1] Riscos ergonômicos e de acidentes no PPRA

Agentes ergonômicos, eSocial e o terrorismo na internet

Ausência de reconhecimento de riscos não ambientais nos Programas de Segurança é a principal causa de acidentes fatais

Mais uma obrigatoriedade legal para inclusão dos riscos ergonômicos no PPRA

Riscos e perigos ergonômicos

[2] NR-09

https://enit.trabalho.gov.br/portal/images/Arquivos_SST/SST_NR/NR-09.pdf

[3] Precedente Administrativo nº 95

http://www.legistrab.com.br/precedentes-administrativos-da-secretaria-de-inspecao-do-trabalho/

[4] PCMSO

https://enit.trabalho.gov.br/portal/images/Arquivos_SST/SST_NR/NR-07.pdf

[5] AET – Análise Ergonômica no Trabalho da NR-17

https://enit.trabalho.gov.br/portal/images/Arquivos_SST/SST_NR/NR-17.pdf

[6] Manual do eSocial

https://portal.esocial.gov.br/manuais/mos-v-2-4-02-publicada-cg.pdf

 

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