Parecer Técnico de Contestação de um Laudo Pericial Sobre Insalubridade por Frio – Por Heitor Borba

 

Cada vez mais as empresas recorrem aos Assistentes Técnicos Periciais na busca de defesa em reclamações trabalhistas relacionadas à insalubridade, periculosidade e acidentes de trabalho, impedindo a farra dos Peritos em relação à concessão indevida de benefícios.[1]

O Assistente Técnico Pericial deve ser indicado nos autos no prazo previsto na lei, para orientação técnica da empresa, acompanhamento da perícia, estudo do Laudo Pericial e elaboração da peça de defesa, conhecida como Contestação ou Parecer Técnico.

Os honorários do Assistente Técnico Pericial variam em decorrência do grau de dificuldade da assessoria. O valor mínimo cobrado é de um salário mínimo por perícia.

A perícia abaixo é referente à reclamação de ex-funcionário de um supermercado sobre insalubridade por exposição ao frio, em câmaras frigoríficas.

Trata-se de mais uma peça da defesa, por mim elaborada, entregue ao advogado da empresa para composição do processo e análise por meio do magistrado e que obteve sucesso. O magistrado, analisando o Laudo Pericial e a argumentação constante da Contestação, desconsiderou o Laudo Pericial que concedia insalubridade ao trabalhador e bateu o martelo em favor da Contestação, que negava o benefício. Mais um Laudo Pericial que foi derrubado.

Interessante que a defesa por mim utilizada na Contestação se encontra numa das edições do HBI na íntegra.[2] Bastava o perito ter lido o meu artigo e utilizado a argumentação constante do mesmo para minhas chances de sucesso serem bastantes reduzidas. Mas o Perito não leu o meu artigo (ainda bem) e deu no que deu.

Vamos ao Parecer Técnico Contestatório do Laudo Pericial:

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RECLAMANTE: A J S

Contestação do Laudo Pericial emitido pelo Perito do Trabalho Engenheiro de Segurança do Trabalho M A L C.

 

I – DA ARGUMENTAÇÃO UTILIZADA PELO PERITO

Em análise a argumentação utilizada pelo Perito para caracterização da insalubridade percebe-se total falta da fundamentação legal conferida pela CLT (Arts. 189, 190 e 200),[3] NR-15[4] e Súmula 460 do STF:[5]

No item “6.1” do Laudo, encontramos a citação:

“6.1 RISCOS FÍSICOS: FRIO: Durante 1 (um) mês.

As temperaturas citadas referem-se as temperaturas das câmaras de congelados (-18o C) e das câmaras de refrigerados (> 6o C). Verificamos que as câmaras frigoríficas não constituem postos de trabalho fixo do Reclamante, situação essa que perdurou apenas por um mês, quando tirou as férias de um trabalhador que adentrava nas câmaras frigoríficas, para serviços de armazenagem e retirada de alimentos. Apenas por senso comum constatamos que não se trata de atividades de grande repetição ou de grande demanda de tempo em relação a jornada de trabalho. Não há necessidade de permanência no interior da câmara, mas apenas quando da necessidade de realização dos serviços, pois não existe trabalhador exclusivo das câmaras.

No item “7.2” letra “a” do Laudo o Perito cita alguns EPI fornecidos ao Reclamante, como botas de PVC, luvas impermeáveis e respirador e a atividade do Reclamante que era de arrumação e limpeza do Supermercado, a exceção de um mês que necessitou adentrar as câmaras.

No item “9” há uma conclusão arbitrária e completamente subjetiva em virtude da total ausência quanto a definição da real exposição do trabalhador ao agente nocivo frio, ou seja, não houve dimensionamento da exposição do trabalhador ao agente nocivo.

II – DO DIMENSIONAMENTO DA EXPOSIÇÃO DO TRABALHADOR (RECLAMANTE)

O Anexo 09 da NR-15[6] aparenta ser subjetivo.  Daí, peritos e advogados fazem a festa e concluem conforme seus interesses.

O fato é que apenas o texto do Anexo 09 não oferece condições para conclusão de Laudos confiáveis, obrigando o avaliador a lançar mão de outros recursos para consolidar a sua conclusão.

O texto do Anexo 09[6] não diz muita coisa:

NR 15 – ATIVIDADES E OPERAÇÕES INSALUBRES

ANEXO N.º 9 – FRIO

1. As atividades ou operações executadas no interior de câmaras frigoríficas, ou em locais que apresentem condições similares, que exponham os trabalhadores ao frio, sem a proteção adequada, serão consideradas insalubres em decorrência de laudo de inspeção realizada no local de trabalho.

No entanto, o artigo 253 da CLT[3] lança alguma luz sobre o assunto:

Para os empregados que trabalham no interior das câmaras frigoríficas e para os que movimentam mercadorias do ambiente quente ou normal para o frio e vice-versa, depois de 1 (uma) hora e 40 (quarenta) minutos de trabalho contínuo, será assegurado um período de 20 (vinte) minutos de repouso, computado esse intervalo como de trabalho efetivo.

Parágrafo único – Considera-se artificialmente frio, para os fins do presente artigo, o que for inferior, nas primeira, segunda e terceira zonas climáticas do mapa oficial do Ministério do Trabalho e Emprego, a 15ºC (quinze graus), na quarta zona a 12ºC (doze graus), e nas quinta, sexta e sétima zonas a 10ºC (dez graus).

O mapa oficial do Ministério do Trabalho e Emprego foi definido pela Portaria 21, de 26/12/ 1994.[7] Nessa Portaria, mais luz é lançada sobre o assunto:

Art. 2º Para atender ao disposto no parágrafo único do art. 253 da CLT, define-se como primeira, segunda e terceira zonas climáticas do mapa oficial do  MTb, a zona climática quente, a quarta zona, como a zona  climática subquente, e a quinta, sexta e sétima zonas, como a zona climática mesotérmica (branda ou mediana) do mapa referido no art. 1º desta Portaria.

Então:

QUADRO I

Ou seja:

Tempo de trabalho máximo permitido = 1 hora e 40 minutos;

Tempo de descanso = 20 minutos;

Ambiente artificialmente frio, temperaturas (T):

T < 15oC nas 1a, 2a e 3a zonas climáticas (quente);

T < 12o C na 4a  zona climática (sub quente);

T < 10oC, nas 5a, 6a e 7a  zonas climáticas (mesotérmicos brando e mediano);

 

Ilustrando:

TABELA DAS ZONAS CLIMÁTICAS

QUADRO II

Comparando a cor da região do mapa correspondente a área da cidade de Barreiros (área circulada da figura acima), local onde se encontra localizada a empresa onde o Reclamante laborou, com a da tabela abaixo, constatamos que corresponde a faixa da 1a, 2a e 3a zonas climáticas (quente úmido – terceira cor do mapa abaixo, de cima para baixo), conforme indicado pela seta na figura (Quente, média > 18 oC em todos os meses, úmido, 1 a 2 meses secos), sendo considerado artificialmente frio temperaturas abaixo de 15 o C:

QUADRO III

Conforme Mapa Brasil Climas:

MAPA BRASIL CLIMAS

Para visualizar o Mapa com detalhes acesse:[8]

ftp://geoftp.ibge.gov.br/mapas_tematicos/mapas_murais/clima.pdf

 

QUADRO IV

Simulando a situação real de exposição ocupacional do Reclamante, temos:

O Reclamante se encontrava exposto ao agente frio de modo intermitente nos serviços de reposição e retirada dos produtos no interior das câmaras;

As exposições máximas ao frio (permanência do Reclamante dentro da câmara frigoríficas) possuíam duração máxima de 40 minutos e realizadas por no máximo 4 vezes ao dia, a intervalos superiores a 120 minutos ou 2 horas (40/120 = 5/15);

Ou seja, após cada 40 minutos de trabalho contínuo no interior das câmaras repousava um mínimo de 120 minutos, realizando as atividades de arruação e limpeza do Supermercado no ambiente quente ou normal;

A CLT estabelece que para cada 100 minutos de trabalho haja um período de descanso mínimo de 20 minutos, ou 100/20 = 50/10 = 25/5 > 5/15, ou seja, as exposições ocorrem dentro do intervalo mínimo previsto na CLT, não havendo exigência quanto ao uso de EPI para exposições dentro do limite de tolerância prescrito na Lei;

Em analogia com o risco físico ruído, não há necessidade de indicação do EPI para eliminação da insalubridade tendo-se em vista não haver nocividade a ser eliminada. Em todos os casos de agentes nocivos possuidores de limites de tolerâncias definidos na NR-15, cujas exposições ocorrem abaixo desses limites, não há exigência legal quanto a utilização de EPI como critério para eliminação de uma insalubridade inexistente. Para o frio não é diferente, pois não há exposições acima dos limites de tolerância e a proteção individual fornecida é eficaz para redução das exposições ocorridas pelo Reclamante.

Análise:

A insalubridade deve ser caracterizada em função de três fatores:

1)    Tempo de exposição contínua em função do tempo de descanso (> 100/20) – Atende;

2)    Temperatura da câmara ou do ambiente artificialmente frio (>15 oC) – Não atende;

3)    Proteção eficaz para frio (Jaqueta com capuz, máscara para proteção da respiração tipo invanhoé/balaclava, calça, botas, meias e luvas) – Não exigido para exposições abaixo dos limites de tolerância –  Atende;

4)    Para exposições aos produtos químicos (cáusticos) utilizados na limpeza das instalações, cuja única via de penetração no organismo é a cutânea, o EPI deve impedir o contato entre o agente nocivo e o trabalhador por meio da utilização de botas e luvas impermeáveis – Atende.

III – DA CONCLUSÃO

Considerando que:

a)    Não há exposições contínuas ao agente nocivo superiores ao limite de tolerância estabelecido que é de 100 minutos de exposição para cada 20 minutos de descanso;

b)    Não há exposições acima dos limites de tolerância e por esse motivo a atividade não apresenta nocividade ao Reclamante, mesmo sem a utilização de EPI mais eficazes que os citados no Laudo;

c)    O Laudo foi elaborado parcialmente e não aborda todos os aspectos da legislação aplicável;

d)    O Laudo não apresenta de forma empírica a real exposição do trabalhador, demonstrando como as exposições foram dimensionadas;

e)    O perito, propositalmente ou não,  desconsiderou o Art. 253 da CLT, corroborado com a Portaria 21, de 26/12/1994, dispositivos legais essenciais para fundamentação desse tipo de Laudo;

f)     A ação nociva dos produtos químicos (cáusticos) utilizados pelo Reclamante na limpeza das instalações (item “6.3” do Laudo) é neutralizada pelas botas de PVC e luvas de látex (item “7.2”, “a” do Laudo), tendo-se em vista que a única via de penetração no organismo desses agentes nocivos é a cutânea e os EPI fornecidos são impermeáveis;

Concluímos que as exposições ocupacionais ao frio sofridas pelo Reclamante não se encontram acima dos níveis permitidos e a ação dos produtos cáusticos utilizados é cem por cento neutraliza pelo uso dos EPI fornecidos, devendo a atividade ser caracterizada como salubre, não fazendo o Reclamante jus ao adicional de insalubridade conforme exaustivamente demonstrado nesta contestação.

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O Laudo Pericial pode induzir o magistrado a emitir sentenças erradas, lesando a empresa inclusive em processos futuros. Para isso, basta que o advogado do reclamante futuro considere a sentença anterior e formate a defesa na mesma linha de pensamento utilizada fraudulentamente pelo Perito responsável (ou irresponsável).

Devemos levar em conta também que a indicação de Assistentes Técnicos despreparados pode até prejudicar a empresa, seja por ação ou omissão, motivada pelo desconhecimento da função.

Para o exercício da função de Assistente Técnico Pericial, confiança, experiência e conhecimento específico se sobrepõem a títulos. Verdade essa ainda desconhecida por muitas empresas.

Webgrafia:

[1] Atuação dos Assistentes Técnicos Periciais

https://heitorborbasolucoes.com.br/tecnicos-em-seguranca-estao-mais-atuantes-em-pericias-trabalhistas/

[2] Edição do HBI com a Contestação (Artigo exposições ocupacionais ao frio)

http://heitorborbainformativo.blogspot.com.br/2014/11/heitor-borba-informativo-n-75-novembro.html

[3] CLT

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm

[4] NR-15

http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C816A47594D040147D14EAE840951/NR-15%20(atualizada%202014).pdf

[5] Súmula 460 do STF

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_401_500

[6] Anexo 09 da NR-15

http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BE914E6012BEF3F94D3513D/nr_15_anexo9.pdf

[7] Portaria 21, de 26/12/ 1994

http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812C12AA70012C12D8C07F6B06/p_19941226_21.pdf

[8] Mapa Brasil Climas do IBGE

ftp://geoftp.ibge.gov.br/mapas_tematicos/mapas_murais/clima.pdf