Gerenciando a abstinência do EPI – Por Heitor Borba

 

 

 

O desconforto provocado pelo uso do Equipamento de Proteção Individual – EPI é a causa principal da sua ineficácia.

Os EPI são assim: quanto mais eficientes mais desconfortáveis. A eficácia do EPI depende de alguns fatores que devem ser gerenciados, como por exemplo, o uso correto e ininterrupto durante todo o tempo de exposição ao agente nocivo.

O uso correto depende:

a)    Da colocação e ajuste correto;

b)    Dos ajustes constantes quando do deslocamento;

c)    Da verificação da vedação ao corpo;

d)    Da integridade física do EPI;

e)    Da substituição do EPI ou peças em tempo hábil;

f)     Da higienização;

g)    Da verificação das limitações de uso;

h)    Da compatibilidade do EPI;

i)     Do EPI adequado ao risco.

O uso ininterrupto depende:

a)    Da conscientização do usuário;

b)    Do conforto;

c)    Da fiscalização quanto ao uso;

d)    Da meritocracia do uso.

Um dos mais importantes é o tempo de utilização do EPI por parte do usuário ao longo da jornada de trabalho. Esse fator é prejudicado principalmente pelo desconforto causado pelo mesmo. Todo EPI oferece algum desconforto e ninguém em são juízo pode dizer que usar EPI é gostoso.

Importante lembrar que o EPI não evita o acidente. Apenas neutraliza ou reduz a gravidade da lesão. Quem evita o acidente é o trabalhador treinado, capacitado, conscientizado, fiscalizado, responsabilizado e punido. Aquela ideia da década de 70 que os patrões tinham de que a função dos profissionais de segurança era unicamente cobrar o uso do EPI por parte do trabalhador tornou-se obsoleta. A verdade é que deve haver uma gestão de EPI.

O uso ininterrupto do EPI durante toda a jornada de trabalho vale para todo tipo de risco. Percebo uma enorme preocupação dos gestores de segurança ocupacional sobre o uso ininterrupto do EPI em relação ao ruído, particulados, gases e vapores. E quase nenhuma preocupação quando se trata dos demais riscos. Como é o caso do risco de quedas, nos trabalhos em altura e de abrasão das mãos (no manuseio de materiais abrasivos), para exemplificar. Talvez essa despreocupação com o uso ininterrupto do EPI para os demais riscos seja culpa dos adeptos do Precedente Administrativo 95 – PPRA (do extinto MTE) e seguidores de profissionais analfabetos funcionais ou desonestos intelectuais, que elaboram programas de segurança contemplando apenas os riscos clássicos: Físicos, Químicos e Biológicos. Relembrando: Semelhante ao novo PGR, todos os riscos devem ser reconhecidos no PPRA. Se houver demanda para determinados riscos, os mesmos devem ser tratados em documentos específicos. Como na Análise Ergonômica do Trabalho (AET), para os riscos ergonômicos, por exemplo.

Mas voltando ao assunto, podemos ilustrar a importância do uso do EPI durante toda a jornada de trabalho. Estudos indicam que a atenuação total promovida pelo EPI é função direta do tempo em que este é utilizado.

No entanto a relação não é aritmeticamente proporcional:[1]

RESPIRADORES:

Um respirador com nível de proteção de 100 x LT (Cem vezes o Limite de Tolerância da NR-15), caso deixe de ser utilizado por apenas 10 minutos, tem seu nível de proteção reduzido para valores abaixo de 40 x LT. Para uma abstinência de 20 minutos, a redução cai para 20 x LT.

PROTETORES AUDITIVOS

Um protetor auricular que ofereça atenuação de NRR=25 dB, caso deixe de ser utilizado por apenas 10 minutos, tem esse valor reduzido para NRR=18 dB. Para abstinências inferiores a 50% do tempo total da jornada de trabalho, a atenuação será de apenas NRR=5 dB.

DEMAIS EPI

Para os demais riscos essa abstinência poderá custar a vida do trabalhador. Como é o caso do uso do cinto de segurança. Uma abstinência (cinto desconectado do engaste) de apenas um segundo poderá ser suficiente para causar um acidente fatal.

Considerando a causa principal da rejeição do EPI como sendo o desconforto que o mesmo ocasiona no trabalhador, podemos adotar algumas medidas que deverão ser divulgadas por meio de treinamentos:

BOTINAS

As botinas de segurança devem ser utilizadas sempre da forma correta, sem pisar nos taludes ou “chinelar”. As botinas com fechamento em elástico são mais difíceis de serem “chineladas”.

Além dos formatos fechados, o que dificulta a aeração dos pés, as botinas de segurança vêm da fábrica com as dimensões dos moldes que as constituíram. Significa que dificilmente vão se adaptar aos pés dos trabalhadores. Enquanto uns têm os pés mais magros, outros têm os pés mais gordos, mais largos, mais estreitos, etc

Essas particularidades podem ocasionar os seguintes males/desconforto:

a)    Bolhas e calos;

b)    Foliculites (pé de cabelo);

c)    Bromidroses – Tipo plantar (chulé);

d)    Pé de atleta (frieira).

Como preventivo desses problemas de saúde/desconfortos ocasionados pelo uso continuo das botinas de segurança, são indicados os seguintes procedimentos:

a)    Lavar os pés diariamente com sabão em pedra ou sabonete antisséptico;

b)    Após lavagem, mergulhar diariamente os pés por vinte minutos numa solução de Pinho Sol, cloro ou detergente similar;

c)    Secar bem os pés, principalmente entre os dedos e sob os mesmos por meio de uma toalha seca;

d)    Colocar pequenos rolos de papel higiênico entre os dedos a fim de mantê-los secos;

e)    Fazer uso de meias de algodão secas ou passadas a ferro de engomar, com substituição diária por outras limpas;

f)     Desinfetar as botinas de segurança diariamente por meio de um pano embebido em Pinho Sol, cloro ou detergente similar, esfregando o mesmo em todo o interior das botinas;

g)    Para botinas novas, esfregar a cera de um pedaço de vela de acender em todo o interior das botinas, deixando as superfícies do couro impregnadas com o pó branco da cera. Calçar as botinas dessa forma.  Observar que ao final do dia toda a cera existente foi absorvida pelo couro das botinas devido ao calor dos pés, tornando a superfície interna da botina encerada, macia e confortável.  Esse mesmo processo poderá ser utilizado no “domingueiro” que funciona muito bem.

As dicas apresentadas se destinam apenas a prevenção. Importante lembrar que para os problemas de pele preexistentes o trabalhador deverá procurar um médico.

CAPACETES

Os EPI laváveis devem ser higienizados por meio de água e sabão em pedra. Nunca utilizar diretamente detergentes ou produtos que contenham ácidos ou cáusticos.

Os capacetes devem ser utilizados corretamente, com as carneiras bem fixadas nos suportes e no crânio.

As carneiras devem ser higienizadas diariamente. As que possuem testeira absorvedora de suor devem ser higienizadas diariamente e secadas antes do uso.

O uso correto do capacete de segurança atrelado a higienização reduz o desconforto causado pelo mesmo.

ÓCULOS SEGURANÇA

Devem ser higienizados no mínimo diariamente antes do uso. A higienização deverá ser feita por meio de água e sabão em pedra.

Para reduzir o desconforto causado pelos óculos também deve ser levado em consideração a forma de uso e o desconforto térmico sofrido pelo trabalhador. Ambientes muito quentes acabam por condensar vapores na lente, prejudicando a visibilidade do trabalhador.

RESPIRADORES

Os respiradores descartáveis ou semi-descartáveis confeccionados em tecido não devem ser lavados. Descartável é aquele EPI que usamos uma vez e descartamos. Semi-descartável ou sem manutenção é aquele EPI que usamos até vencer a vida útil e depois descartamos. Ou seja, não tem manutenção.

Os respiradores devem ser utilizados com uma das tiras de fixação sobre as orelhas e a outra sob as orelhas e devem ser acomodados ao rosto. Testes de vedação são eficientes na determinação da forma de colocação do respirador.

Alguns problemas que podem surgir durante o uso:

a)    Fenômeno máscara esquentando;

b)    Fenômeno ar pesado;

c)    Percepção do odor do contaminante;

d)    Percepção do sintoma específico do contaminante.

A ocorrência dos fenômenos máscara esquentando ou ar pesado pode ser provocada por filtro vencido, umedecido ou embotado ou ainda, problemas com a válvula de exalação, caso haja. A percepção do odor do contaminante ou dos sintomas específicos relacionados ao contaminante geralmente se deve a má colocação do respirador, ausência de dentes ou presença de pelos faciais (barba). Mas pode indicar também filtro vencido ou mal instalado, para o caso dos respiradores dotados por cartuchos recambiáveis.

Fatores como temperatura, uso de outros EPI, movimentação do trabalhador e taxa de sudorese devem ser considerados para avaliação do conforto do usuário.

PROTETORES AUDITIVOS

Os protetores auditivos devem ser higienizados regularmente. Para os protetores do tipo plug a higienização deve ser diária. Os protetores devem ser selecionados com a participação do trabalhador. A seleção de plugs deve ser realizada com medição do conduto auditivo, mesmo que seja de modo subjetivo conforme indicação do trabalhador. O fornecimento de plugs nos tamanhos pequeno, médio e grande reduz a margem de desconforto. Para atividades com grande esforço físico ou em locais quentes com alta taxa de sudorese, o protetor plug se apresenta menos desconfortável.

CINTO DE SEGURANÇA

O desconforto causado pelo cinto pode ser minimizado por meio da regulagem e posicionamento corretos das tiras. Tiras dobradas podem gerar grande desconforto. Também não se deve fazer uso do cinto de segurança com bermudas. O contato da tira com a pele e pelos pode causar dermatoses e ferimentos por abrasão/contato.

LUVAS

Os principais desconfortos causados pelas luvas são semelhantes aos das botinas, nas luvas impermeáveis:

a)    Bolhas e calos;

b)    Foliculites (pé de cabelo);

c)    Bromidroses (chulé);

d)    Pé de atleta (frieira).

O tratamento a ser dado também é o mesmo destinado as botinas:

a)    Lavar as mãos diariamente com sabão em pedra ou sabonete antisséptico;

b)    Após lavagem, mergulhar diariamente as mãos por vinte minutos em solução de Pinho Sol, cloro ou detergente similar;

c)    Secar bem, principalmente entre os dedos e sob os mesmos por meio de uma toalha bem seca;

d)    Usar luvas em malha de algodão secas e sem pigmentos de PVC por baixo das luvas impermeáveis;

e)    Desinfetar as luvas impermeáveis diariamente por meio de um pano embebido em solução de Pinho Sol, cloro ou detergente simular. Esse procedimento reduz a vida útil da luva, mas não tem outro jeito.

Enquanto o uso incorreto é basicamente devido a falta de conscientização e fiscalização, a abstinência em relação ao uso do EPI possui como causa principal o desconforto que o mesmo ocasiona. A execução das medidas de controle do desconforto gerado pelo uso do  EPI devem ser iniciadas com a escolha do equipamento, que deverá ser realizada com a participação dos trabalhadores, realização de treinamentos e execução das ações constantes deste artigo. Uma gestão eficaz de EPI deve levar em conta o fator desconforto. Caso contrário, não será uma empreitada bem sucedida. Lembrando que este artigo não esgota o assunto. Há também outras questões importantes, como os comportamentos de riscos e as questões psicossociais.

Boa gestão de EPI.

Referencia:

1)    Vendrame, Antonio Carlos – Implicações legais na emissão do PPP e do LTCAT: Não produza provas contra si mesmo, São Paulo, LTr 2005, páginas 82 e 83;

Artigos relacionados:

Compatibilidade de EPI

Nova Portaria sobre EPI

Posição dos canos (punhos e caneleiras) de luvas e botas

Enganação das máscaras chega em Pernambuco

Eficácia das máscaras caseiras

Eficácia dos protetores faciais no combate ao coronavírus

EPI não evitam acidentes e são desconfortáveis

Exposição ocupacional ao ruído gera Aposentadoria Especial, mesmo com uso de EPI