Compatibilidade de EPI – Heitor Borba

 

 

A gestão da Tecnologia de Proteção Individual deve considerar também aspectos referentes a compatibilidade dos EPI – Equipamentos de Proteção Individual utilizados pelo trabalhador.

Equipamentos de Proteção Individual – EPI não evitam acidentes. Quem evita o acidente é o trabalhador capacitado, treinado, fiscalizado e dotado da Tecnologia de Proteção Contra Acidentes necessária e suficiente para sua segurança. EPI apenas neutralizam ou atenuam os efeitos do acidente (lesão). O cinto de segurança, por exemplo, não evita a queda do trabalhador, mas apenas a lesão provocada pelo impacto da queda. Como já é conhecido por todos os prevencionistas: “Cinto não é paraquedas e não tem asas”.

A incompatibilidade de EPI pode ocorrer nas seguintes situações:

a) EPI e EPI;

b) EPI e ambiente;

c) EPI e agente de risco;

d) EPI e usuário.

e) EPI e atividade.

Em alguns casos o EPI é a causa do acidente. Estranhamente, essa causa nunca aparece nas análises de risco. Vamos analisar os resumos de dois Relatórios de Análise e Investigação de Acidentes extraídos de algumas empresas:

DESCRIÇÃO DO ACIDENTE

AGENTE DO ACIDENTE (FONTE DA LESÃO)

FATOR MATERIAL DE INSEGURANÇA

FATOR PESSOAL DE INSEGURANÇA

CAUSA DO ACIDENTE

“…descia as escadas da edificação em obras quando teve seu capacete levado pelo vento. Ao tentar pegar o capacete a vítima encostou o corpo no guarda-corpo provisório da escada que não suportou o esforço e desprendeu-se da fixação, projetando a vítima para fora da edificação e provocando a sua queda no solo… Impacto devido a queda de altura. Não há Posicionamento indevido do corpo Posicionar indevidamente o corpo

Não houve questionamento quanto a fixação do guarda-corpo e nem sobre a ausência de jugular no capacete (fator principal)

“…a vítima realizava serviços de pintura sobre o andaime quando os óculos de segurança vedados que usava ficaram embaçados devido ao suor, dificultando a visão, quando a vítima tropeçou em umas das tábuas do piso e caiu, batendo a cabeça na grade de ferro…” Batida contra a grade de ferro Tábuas de forração do piso do andaime mal fixada Não limpar os óculos quando embaçou Tropeço em uma das tábuas formadoras do piso de trabalho

Os óculos embaçados devido ao suor não foi considerado.

Por que resistem em colocar a culpa no EPI? Será porque acreditam que o EPI não pode ser culpado? A verdade é que alguns prevencionistas não sabem lidar com essa situação. Fazer da solução um problema pode não ser politicamente correto. Mais um mito da segurança do trabalho.

A legislação atual já contempla possíveis casos de incompatibilidade de EPI:[1]

NR-06

6.1.1 Entende-se como Equipamento Conjugado de Proteção Individual, todo aquele composto por vários dispositivos, que o fabricante tenha associado contra um ou mais riscos que possam ocorrer simultaneamente e que sejam suscetíveis de ameaçar a segurança e a saúde no trabalho.

NR-36

36.10.1.1 Os EPI usados concomitantemente, tais como capacete com óculos e/ou proteção auditiva, devem ser compatíveis entre si, confortáveis e não acarretar riscos adicionais.

A solução reside no estudo da compatibilidade dos EPI utilizados para que os mesmos possam ser eficazes.

Alguns exemplos de incompatibilidade de EPI:

ENTRE EPI

Uso de óculos de segurança de haste rígida com protetor auricular concha (circum-auricular):

As conchas pressionam as hastes dos óculos contra as laterais da cabeça do usuário, mais especificamente, sobre o sulco do osso temporal, onde passa a artéria temporal média. A artéria temporal média é um dos ramos da artéria cerebral média, responsável pela irrigação dos opérculos e face temporal, incluindo a área motora e somatossensorial do tronco, braços e cabeça. Devemos levar em conta também o mal-estar causado pela pressão física da artéria.[3] A solução para esse caso deve ser a utilização de óculos sem hastes (com fixação em elásticos ajustáveis) ou a substituição dos protetores auditivos por outros do tipo plug. Outro problema pode ocorrer quando da utilização de óculos de segurança com respirador PFF (descartável ou sem manutenção) em ambientes frios. O ar da expiração (aquecido) que sai pela peça embaça as lentes dos óculos em função da condensação dos vapores úmidos do ar. A solução para isso seria a utilização de respirador de 1/4 de peça facial (emborrachado ou siliconizado) dotado por filtro frontal ou lateral. Respiradores emborrachados ou siliconizados com filtros permitem a saída do ar aquecido da expiração apenas pelos filtros e válvulas de aeração e não por toda a peça facial filtrante (principalmente na parte superior da peça). Mas em alguns casos as válvulas de aeração laterais podem causar ainda algum embaçamento das lentes. Uma saída não muito ortodoxa seria fecha a saída na parte superior da válvula de aeração com fita crepe.

ENTRE EPI E AMBIENTE

Uso de óculos de segurança vedados em ambientes quentes:

Conforme citado na análise acima a sudorese excessiva do trabalhador devido ao calor ambiente ocasiona o embaçamento das lentes dos óculos dificultando a visão. Esse fenômeno ocorre geralmente em serviços externos (sob o sol), internos com pouca ventilação e em espaços confinados (este mais perigoso). A retirada dos óculos no local de trabalho para limpeza irá ocasionar a exposição direta do trabalhador ao agente nocivo e a contaminação do EPI. Isso não é solução e nem deve ser obrigação. Deverá ser avaliada a concentração do contaminante no local de trabalho e estudados os dados técnicos, como toxidade, volatilidade e possíveis vias de penetração (dados coletados das FISPQ – Fichas de Informações de Segurança de Produtos Químicos), objetivando a real necessidade da utilização de óculos vedados. Outras soluções podem consistir em ventilação e exaustão local e redução dos tempos de exposição, para trabalhos com óculos de ventilação indireta (com válvulas) ou mesmo sem vedação. Também podem ser utilizados respiradores autônomos.

ENTRE EPI E AGENTE DE RISCO

Tenho encontrado com frequência armadores ou ferreiros de obras, serralheiros e caldeireiros trabalhando com luvas em malha tricotada de algodão, cujos agentes de risco consistem em partes cortantes, perfurantes, abrasivas e aquecidas. A explicação geralmente se resume a “Eles preferem essas luvas” O trabalhador deve participar da decisão para escolha do EPI, mas nunca decidir. Delegar essa função ao trabalhador não há necessidade do profissional de segurança na empresa. Dentre os EPI indicados pelo profissional de segurança é que o trabalhador deve escolher o seu. Para esse agente de risco as luvas indicadas são as de vaqueta (preferencialmente) ou as mais baratas, em raspa de couro. Outros casos podem ser verificados, como por exemplo, pintores fazendo uso de respiradores para poeiras em vez dos dotados por filtro para vapores orgânicos. Também, soldadores com filtro de lente de tonalidade inferior a indicada para a amperagem de operação da máquina em função do eletrodo. Nesse tipo de incompatibilidade a mais perigosa é quando o EPI é insuficiente para reduzir as intensidades ou concentrações dos agentes nocivos a patamares seguros, passando uma falsa proteção ao trabalhador.

ENTRE EPI E USUÁRIO

Uma das incompatibilidades mais conhecidas é a utilização de respiradores por trabalhadores que usam barba ou com deficiência na arcada dentária. Nesse caso não há a devida acomodação da peça no rosto do trabalhador, prejudicando a vedação. Deformações faciais também inabilitam o trabalhador para utilização desse tipo de EPI.

Também, há cintos de segurança de tamanho único, não dotados por fivelas de ajustes. Esses modelos deveriam ser proibidos pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Na prática, ou o trabalhador não consegue vestir o cinto, por possuir porte físico grande, ou o cinto é grande demais para o trabalhador, não permitindo os ajustes necessários ao corpo.

ENTRE EPI E ATIVIDADE

Temos o caso do capacete sem jugular para trabalhos em altura, capacete e botinas sem teste de isolamento elétrico para eletricistas, botinas e luvas sem impermeabilidade para trabalhos com umidade e produtos químicos, etc

O profissional responsável pela indicação do EPI na empresa deve saber o que está fazendo. De modo geral, no mínimo esse profissional deve conhecer as seguintes informações básicas sobre cada tipo de EPI indicado, conforme destinação:

  • Características técnicas;
  • Nível de proteção;
  • Forma correta de uso, guarda, conservação, transporte, armazenamento, higienização e manutenção;
  • Restrições e limitações;
  • Tempo médio de uso para a função/atividade, condições de uso em campo e periodicidade de substituição do todo ou peças;
  • Acessórios existentes e suas características;
  • Possíveis substâncias existentes na peça e passíveis de causar danos ao usuário;
  • Classes de proteção aos diferentes níveis de risco;
  • Prazo de troca em função da concentração ou intensidade do agente de risco e das condições de uso em campo;
  • Possíveis incompatibilidades;
  • Possibilidade de descaracterização com impacto sobre a eficácia ou nível de proteção em função de certas condições de trabalho (ambientais, ocupacionais ou de higienização do EPI);
  • Forma de ajuste dos dispositivos de preensão no corpo do trabalhador;
  • Forma de fixação segura do equipamento na estrutura;
  • Natureza e periodicidade dos ensaios dielétricos que o EPI deve ser submetido durante o tempo de uso;
  • Tempo máximo admissível de exposição por agente nocivo;
  • Relação entre o nível de proteção oferecido e o real em função do tempo de uso em campo, uso correto e intensidade ou concentração dos agentes nocivos.

Como vemos, nem sempre a recusa do trabalhador em relação ao uso do EPI é injustificada. A compatibilidade quanto ao uso do EPI deve ser observada com a máxima abrangência possível. Para isso, o profissional deve conhecer bem a legislação e a técnica aplicável a cada caso. Segurança do trabalho não é apenas legislação, mas técnica e ciência. A Legislação de Segurança e Saúde contem obrigações embasadas em resultados científicos e não ao contrário, como alguns pensam. O fato de não constar das normas não significa que não devemos levar em consideração. Afinal de contas, somos prevencionistas e não advogados. Distorcer, falaciar, encontrar brechas e burlar a lei são atitudes que não combinam com prevencionistas.

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