Exposição ocupacional ao ruído gera Aposentadoria Especial, mesmo com uso de EPI – Por Heitor Borba
No Brasil há três poderes legislativos: o próprio legislativo, o executivo e o judiciário. Todos eles legislam. Seja em causa própria ou mesmo contradizendo outro poder, sempre acabam legislando de alguma forma, sendo as leis elaboradas de modo a atender alguma demanda existente (necessária ou mesmo inventada).
Na área de Segurança e Saúde no Trabalho – SST a coisa não é diferente. Lembra quando a atividade era especial quando as exposições do trabalhador ao ruído se encontravam acima de 80 dB(A)? Pois é, acima de 80 dB(A) a exposição era nociva e causava danos auditivos ao trabalhador, conforme estudos científicos, reconhecidos hoje pela NR-09 sob a denominação de Nível de Ação Preventiva (50% da dose)[1]. Mas em 06/03/1997, o INSS disse que o ruído só causa danos auditivos acima de 90 dB(A). Somente em 19/11/2003, resolveram adotar o Limite de Tolerância da NR-15, de 85 dB(A), mas com algumas ressalvas quanto ao critério e a metodologia de medição. Toda essa patacoada se encontra esquematizada no Manual de Aposentadoria Especial do INSS[2], com as respectivas referencias legais.
Considerando que o agente físico ruído é o mais comum nos ambientes de trabalho, como também é o agente nocivo de maior frequência nas avaliações dos processos que chegam ao INSS decorrente de demandas referentes a aposentadoria por atividade especial, é importante que os responsáveis pela elaboração dos LTCAT (Laudo Técnico de Condições Ambientais de Trabalho), conheça também os principais conceitos técnicos utilizados quando da análise das demonstrações ambientais contendo medições de ruído. O Recurso Extraordinário com Agravo – ARE nº 664.335, do Supremo Tribunal Federal – STF[3], com repercussão geral reconhecida, trouxe novo entendimento jurídico acerca da eficácia da proteção individual em elidir os efeitos danosos do agente nocivo físico ruído: considerou que nos casos de exposição do segurado ao agente nocivo ruído acima dos Limites de Tolerância legais, a declaração do empregador, no âmbito do PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário), da eficácia do EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. Tal decisão passou a ter obrigatoriedade a contar de 12 de fevereiro de 2015, data da publicação na Ata de Julgamento no Diário da Justiça. Lembrando que até 13/10/1996, a exigência de laudo era exclusivamente para o agente físico ruído.
Enquanto os EPI (Equipamentos de Proteção Individual)[4] são os equipamentos de uso individual e no trabalhador, como o protetor auricular, por exemplo, os EPC (Equipamentos de Proteção Coletiva) são os equipamentos que dizem respeito ao coletivo, devendo proteger todos os trabalhadores expostos a determinado risco, como enclausuramento acústico de fontes de ruído, por exemplo. A análise do INSS observará se no laudo consta a informação sobre EPC a partir de 14 de outubro de 1996, e sobre EPI a partir de 03 de dezembro de 1998. No entanto, a informação sobre EPI não deve ser considerada para os períodos laborados anteriormente a 03 de dezembro de 1998 (data da publicação da MP nº 1.729, de 1998, convertida na Lei nº 9.732, de 1998)[5]. Com relação ao EPC, a mesma análise do INSS deverá verificar se este confere a proteção adequada que elimine a presença do agente nocivo. Diferente do EPI, o EPC poderá ser considerado para todos os períodos laborados, no caso de exposições ao ruído. Diferente também dos casos de exposições a agentes cancerígenos. Para esses agentes, a análise técnica por parte da perícia do INSS deve enquadrar a atividade como especial com base apenas em levantamento qualitativo, desconsiderando a utilização de EPC e/ou EPI, mesmo que comprovadamente eficazes.
Mas na análise dos laudos serão respeitadas as normas vigentes à época da emissão dos mesmos, inclusive sobre a obrigatoriedade e consideração sobre os EPI e EPC. Em relação as medições de ruído, podem ser aceitas medições pontuais, nível equivalente, média ou dose, conforme normas da época. Para períodos laborados anteriormente a 11 de novembro de 2001, serão aceitos ou o nível de pressão sonora pontual ou a média de ruído. A referência constante nos incisos I e II do art. 280 da IN nº 77/PRES/INSS, de 2015[6], de que devem ser informados os valores medidos, não significa que sejam obrigatoriamente informados mais de um nível de pressão sonora para o mesmo período a ser analisado, e sim, que para cada período deve ser informado o nível de pressão sonora equivalente. Para o período de 11 de outubro de 2001 a 18 de novembro de 2003, não cabe a exigência específica de histograma, uma vez que nem sempre houve disponibilidade de equipamentos de medição passíveis de gerar essa apresentação de resultados. Desse modo, não há como exigir histograma e/ou memória de cálculos, devendo o nível de pressão sonora estar acima de 90 dB(A). Caso sejam apresentados valores aferidos sem a dose ou média, qualquer medição inferior ao Limite de Tolerância vigente à época impedirá o reconhecimento de tempo laborado como especial. Ainda, após 31 de dezembro de 2003, a metodologia definida no Decreto nº 4.882, de 2003[7], é a estabelecida na NHO-01 da FUNDACENTRO[8], com valores de ruído em níveis de NEN (Nível de Exposição Normalizado) superior a 85 dB(A). Ou seja, após 31 de dezembro de 2003, as mensurações de ruído apresentadas deverão estar expressamente informadas em NEN ou dose, e não nas formas de média, Leq e Lavg (TWA) e outras.
O Supremo Tribunal Federal (STF), em sede de Recurso Extraordinário com Agravo – ARE 664.335, de 2015[4], com repercussão geral reconhecida, considerou que nos casos de exposição do segurado ao agente nocivo ruído acima dos Limites de Tolerância, a declaração do empregador da eficácia do EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. Veja que, mesmo assim, permanece obrigatoriedade da informação do EPI no PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário) a partir de 03 de dezembro de 1998. Mas no caso de o segurado permanecer exposto ao agente nocivo ruído acima dos Limites de Tolerância, a informação sobre o EPI não descaracterizará o enquadramento como atividade especial, independentemente do período laborado, desde que atendidas as demais exigências.
O enquadramento legal ocorre da seguinte forma:
a) Até 05 de março de 1997 => Enquadramento no código 1.1.6 do Anexo do Decreto nº 53.831, de 1964[9], ou 1.1.5 do Anexo I do Decreto nº 83.080, de 1979[10], conforme o caso;
b) A partir de 06 de março de 1997 até 06 de maio de1999 => Enquadramento no código 2.0.1 do Anexo IV do Decreto nº 2.172, de 1997[11];
c) A partir de 07 de maio de 1999 => Enquadramento no código 2.0.1 do Anexo IV do Decreto nº 3.048, de 1999[12].
Finalmente, os LTCAT contendo medições do agente nocivo ruído elaborados atualmente devem contemplar a legislação atual em vigência. E mesmo citando o EPI eficaz a atividade poderá ser considerada especial pela Receita Federal, caso constate que não há provas da existência de uma gestão eficiente e eficaz.. Para dirimir esse paradoxo o elaborador do LTCAT deve elaborar o documento conforme a legislação aplicável (decreto 3048/99) e considerar o EPI eficaz (se eficaz) ou ineficaz (se constatado que o EPI não é eficaz). O controverso dispositivo jurídico (ARE 664.335) não altera automaticamente o GFPIP 1 para 4 para todos os cargos com exposições acima do NEN=85 dB(A). O profissional elaborador do LTCAT não deve se ater ao dispositivo jurídico na sua conclusão, ficando a critério da organização decidir se vai considerar o EPI eficaz (ciente de que poderá precisar provar essa declaração para a RF) ou vai desconsiderar o EPI eficaz e pagar a alíquota adicional aplicável. Lembrando que o LTCAT é estático e, mesmo considerando o EPI eficaz no momento do levantamento técnico, a situação ocupacional poderá mudar no decorrer do tempo, fazendo com que a organização não consiga provar a eficácia durante todo o período exigido pela fiscalização.
Mas o que a organização deve comprovar em relação ao EPI? Deve comprovar se:
Medida de Proteção: Foi tentada a implementação de medidas de proteção coletiva, de caráter administrativo ou de organ0ização do trabalho, optando-se pelo Equipamento de Proteção Individual – EPI por inviabilidade técnica, insuficiência ou interinidade, ou ainda em caráter complementar ou emergencial?
Condição de Funcionamento do EPI: Foram observadas as condições de funcionamento e do uso ininterrupto do EPI ao longo do tempo, conforme especificação técnica do fabricante, ajustada às condições?
Prazo de Validade do EPI: Foi observado o prazo de validade, conforme Certificado de Aprovação – CA do MTP?
Periocidade da Troca do EPI: Foi observada a periodicidade de troca definida pelos programas ambientais, comprovada mediante recibo assinado pelo usuário em época própria?
Higienização do EPI: Foi observada a higienização?
Isso é o mínimo que a organização deve comprovar para escapar das complicações tributárias que estão por vir. Se tem bala na agulha, mandar ver.
Webgrafia:
[1] NR-09
http://trabalho.gov.br/images/Documentos/SST/NR/NR-09.pdf
[2] Manual de Aposentadoria Especial do INSS
Manual de Aposentadoria Especial do INSS
[3] Recurso Extraordinário com Agravo – ARE nº 664.335, do Supremo Tribunal Federal – STF
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoPeca.asp?id=299157262&tipoApp=.pdf
https://jus.com.br/artigos/36952/o-uso-de-epi-eficaz-e-a-decisao-do-stf-no-are-664-335-sc
[4] EPI
http://trabalho.gov.br/images/Documentos/SST/NR/nr-06-atualizada-2018.pdf
[5] Lei nº 9.732, de 1998
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9732.htm
[6] IN 77/2015
http://sislex.previdencia.gov.br/paginas/38/inss-pres/2015/77.htm
[7] Decreto nº 4.882, de 2003
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/D4882.htm
[8] NHO-01
[9] Decreto nº 53.831, de 1964
http://sislex.previdencia.gov.br/paginas/23/1964/53831.htm
[10] Decreto nº 83.080, de 1979
http://sislex.previdencia.gov.br/paginas/23/1979/83080.htm
[11] Decreto nº 2.172, de 1997
http://sislex.previdencia.gov.br/paginas/23/1997/2172.htm
[12] Decreto nº 3.048, de 1999
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3048.htm
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