“Eisegese” na Segurança do Trabalho – Por Heitor Borba.

Quando se trata de aplicar a legislação de segurança e saúde na empresa, a exegese é muitas vezes substituída pela eisegese, resultando em extrapolações absurdas.

 

Vamos iniciar este artigo explicando esses temos para aqueles que ainda não conhecem os seus significados:

Exegese é um termo que se encontra no dicionário e diz respeito à extração do significado de um texto qualquer por meio de métodos legítimos de interpretação. Ou seja, significa interpretar o texto logicamente, como ele deve realmente ser interpretado. Exegese é extrair do texto aquilo que ele realmente diz;

 

Eisegese é a malandragem de injetar num texto qualquer alguma ideia que altere a sua interpretação real, conferindo um significado diferente, de acordo com os interesses dos manipuladores. Eisegese é injetar uma idéia externa não contida no texto.

 

Apesar desse termo não se encontrar ainda no dicionário formal, remete alguns desonestos a utilizar largamente essa “técnica” como ferramenta de gestão. Atualmente fazem uso dessa malandragem os seguintes gestores/elementos:

a)   Líderes religiosos – Para justificar os seus dogmas em relação ao seu livro sagrado, tirar dinheiro dos fiéis e forçar as conversões;

b)     Políticos – Para justificar suas roubalheiras em relação à legislação e enfeitar a imagem perante os eleitores;

c)      Advogados – Como objeto de convencimento de Magistrados com manipulação dos textos legais (Como se isso fosse possível);

d)     Motoristas – Para não pagar multas de trânsito (Ops! Só isso não é possível);

e)     Pessoas de caráter duvidoso – Para levar vantagem em tudo através da manipulação de textos referentes a garantias, propagandas, descrição de contas, etc;

f)        Empresários – Como objeto de convencimento de fiscais em relação à legislação aplicável ao caso (Como se isso também fosse possível);

g)     Jornalistas – Para enfeitar os fatos e tornar a notícia mentirosamente atraente (Ôpa! Isso funciona);

h)      Propagandistas – Na manipulação da descrição legal do produto para torná-lo atraente ao consumidor (Por mais porcaria que ele seja. Pior que funciona);

i)        Gestores de empresas – Para justificar a falta de investimentos em prevenção de acidentes;

j)        Profissionais de Segurança e Saúde no Trabalho – Para não trabalhar ou não serem responsabilizados;

k)      Trabalhadores – Para não utilizar os EPI ou não serem responsabilizados, dentre outros.

 

Bom, vamos nos ater as eisegeses utilizadas no meio ocupacional.

 

Eisegese é no mínimo desonestidade intelectual porque tenta fraudar uma mensagem, conferindo-lhe outro sentido além do real.

 

Em visita a uma obra, o profissional realizador da auditoria questionou o Engenheiro Responsável a respeito de um Carpinteiro que realizava as atividades de montagem da quinta laje sem fazer uso do cinto de segurança tipo paraquedista. A resposta foi pura eisegese: “A Norma diz que é para utilizar acima de dois metros de altura e com risco de queda e ali não há risco de queda porque ele não está montando mais as vigas da periferia”. Na ocasião o eisegeta avocou o item 18.23.3 da NR-18: “O cinto de segurança tipo pára-quedista deve ser utilizado em atividades a mais de 2,00m (dois metros) de altura do piso, nas quais haja risco de queda do trabalhador,” fazendo aludir que a frase “nas quais haja risco de queda do trabalhador” é a mesma coisa que “Onde o risco de queda seja iminente”. Ou seja, tentou passar a idéia de que o assoalho de laje já consistia em piso, descaracterizando o trabalho em altura. Mas o esperto auditor falou que não há nenhum item da NR-18 que permita alguém trabalhar sobre piso provisório sem uso do cinto de segurança e assoalho não é laje.

A prática de manipulação de textos está se tornando cada vez mais utilizada no meio prevencionista. Vejamos alguns exemplos de eisegeses ocupacionais:

a)     “Não posso digitar as atas da CIPA ou fazer outros serviços correlatos porque a NR-04 proíbe o profissional do SESMT realizar outras atividades durante o expediente” – Avocação ao texto da NR-04: “4.10 Ao profissional especializado em Segurança e em Medicina do Trabalho é vedado o exercício de outras atividades na empresa, durante o horário de sua atuação nos Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho. (Alterado pela Portaria SSMT n.º 33, de 27 de outubro de 1983)”. Na frase “é vedado o exercício de outras atividades na empresa” foi injetado o significado “Nenhuma atividade além da típica”;

b)     “Posso atuar como enfermeiro porque a NR-04 me dá esse direito” – Avocação ao item 4.12, alínea “I” da NR-04: “l) as atividades dos profissionais integrantes dos Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho são essencialmente prevencionistas, embora não seja vedado o atendimento de emergência, quando se tornar necessário. Entretanto, a elaboração de planos de controle de efeitos de catástrofes, de disponibilidade de meios que visem ao combate a incêndios e ao salvamento e de imediata atenção à vítima deste ou de qualquer outro tipo de acidente estão incluídos em suas atividades” a frase “embora não seja vedado o atendimento de emergência, quando se tornar necessário”passou a significar “Pode trabalhar como enfermeiro na empresa porque o atendimento aqui é emergencial, ou seja, só atende acidente de trabalho”;

c)      “Os riscos ergonômicos e de acidentes não precisam constar do PPRA”. Nesse caso, o item 9.6.2 da NR-09 “O conhecimento e a percepção que os trabalhadores têm do processo de trabalho e dos riscos ambientais presentes, incluindo os dados consignados no Mapa de Riscos, previsto na NR-5, deverão ser considerados para fins de planejamento e execução do PPRA em todas as suas fases”, para o eisegeta, não significa que a oração “incluindo os dados consignados no Mapa de Riscos, previsto na NR-5, deverão ser considerados para fins de planejamento e execução do PPRA em todas as suas fases” queira dizer que os riscos ergonômicos e de acidentes sejam incluídos. Eisegese que torna o Mapa de Riscos capenga com indicação de apenas três riscos.

 

Como a lista é exaustiva, creio que já seja suficiente para entendimento dos leitores.

 

Quando a eisegese é utilizada para ampliar o dispositivo legal, como no caso da inclusão de mais trabalhadores em determinado treinamento, além das funções previstas em Lei, temos um resultado positivo. Porém, esse recurso não poderá ser utilizado de forma contrária, como no caso de reduzir ou confrontar algum dispositivo legal.

 

Sabemos que nem todo mundo possui afinidade com interpretação de texto, mas deturpar o seu sentido real é desonesto. Devido a essas “interpretações” os relatórios de segurança devem ser escritos de forma clara, com frases diretas e no imperativo, sem vícios de linguagem ou lógica circular, de modo a passar a idéia direta numa primeira leitura, de forma a coibir esse tipo de manipulação. Profissional que precisa a todo instante justificar legalmente os itens do seu relatório é indicativo de que há algo de errado com o chefe ou com o profissional. Trocando em miúdos, ou o chefe é um tremendo de um eisegeta ou o profissional não transmite a confiança necessária para o exercício da sua função.

 

Portanto, boa exegese.