Tempo de dosimetria de ruído – Por Heitor Borba

 

As dosimetrias de ruído devem ser de tempo integral, de no mínimo setenta e cinco por cento da jornada de trabalho ou podem ser até completar o ciclo de exposição representativo das exposições do trabalhador?

Para um melhor entendimento deste artigo o termo “dosímetro” se refere ao medidor integrador de ruído de uso pessoal.

Da mesma forma que a questão do posicionamento do microfone do dosímetro no trabalhador amostrado,[1] bastou algum especialista de plantão alardear sobre o tempo de dosimetria para que alguns profissionais saíssem em cumprimento dessa verdade irrefutável. Claro que esses alardes geralmente causam mais confusão do que explicação. No entanto, o chão da fábrica já é suficiente para evidenciar as falhas dessa verdade.

O ideal é que todas as dosimetrias sejam de tempo integral (durante todo o tempo de duração da jornada de trabalho). Mas nem sempre isso é possível. Principalmente quando temos prazos judiciais ou exigências da fiscalização para apresentar o documento. Aliás, não sei como um fiscal pode exigir dez dosimetrias de tempo integral em um prazo de cinco dias. Outro fator inconveniente é o custo das dosimetrias de tempo integral, principalmente em estabelecimentos de grande porte. Nesse caso, deve-se garantir que a metodologia utilizada resultou numa dosimetria realmente representativa da exposição do trabalhador, mesmo de forma estatística ou estimada. [2]

Avaliação de ruído com tempo de dosimetria mínimo de 75% da jornada de trabalho foi instituída pela Instrução Normativa-IN 57 do INSS, de 10/10/2001.[3] A IN 78, de 16/07/2002[4] estabeleceu dosimetria de tempo integral, ambas para níveis de ruído variáveis e com uso do dosímetro. Lembrando que ruído variável ou intermitente é aquele que possui variação superior a + 3 dB(A) no ouvido do trabalhador.

Depois de muitos “vai e vem”, mudanças de metodologias e de Limites de Tolerância, finalmente a IN 45[5] estabelece que:

V – a partir de 19 de novembro de 2003, data da publicação do Decreto no 4.882, de 18 de novembro de 2003, será efetuado o enquadramento quando o Nível de Exposição Normalizado – NEN se situar acima de oitenta e cinco dB(A) ou for ultrapassada a dose unitária, aplicando:

a) os limites de tolerância definidos no Quadro Anexo I da NR-15 do MTE; e

b) as metodologias e os procedimentos definidos nas NHO-01 da FUNDACENTRO.

A NHO-01 da FUNDACENTRO[6] estabelece que cada medição deve:

a) Representar as condições reais de exposição e cobrir todas as condições operacionais e ambientais habituais;

b) Possuir período de amostragem adequadamente escolhido e com número suficiente de ciclos de exposição;

c) Identificar os ciclos de exposição com confiabilidade na representação da amostragem em relação a real exposição do trabalhador.

Caso não seja possível estabelecer as condições acima o avaliador deve realizar dosimetria de tempo integral.

Tanto o ciclo quanto o grupo de exposição devem representar a real exposição dos trabalhadores envolvidos na amostragem.

Mas há controvérsias. Alguns defendem que todas as dosimetrias devem ser realizadas em tempo integral ou no mínimo de 75% da jornada de trabalho, com base nas IN revogadas,[3,4] mesmo a partir de 19 de novembro de 2003, quando a metodologia passou a ser a da NHO-01 da FUNDACENTRO. Ora, se foram revogadas, sendo substituídas por outras, não possuem mais validade, exceto, para o período em que vigoraram.

A dosimetria de tempo integral realmente deve ser defendida, mas a de 75% da jornada é na verdade um engodo. Esse procedimento não é indicativo de que a amostragem foi realizada o mais próximo possível da real exposição do trabalhador. Tive o desprazer de acompanhar dosimetrias realizadas por um desses especialistas de “lives” e fiquei surpreso com a falta de critério científico na abordagem do problema. Para exemplificar, uma das medições foi realizada num trabalhador integrante de um Grupo Homogêneo de Exposição – GHE denominado Tecelão II, com três funcionários. Os Tecelões II operam os teares x, y e z durante as seis horas da jornada de trabalho. Após isso, seguem para concluir os serviços na máquina espuladeira, completando às duas horas restantes. Nas dosimetrias individuais, realizadas por outro profissional, os valores de ruído foram de 90 dB(A) para os teares x, y e z e de 110 dB(A) para a espuladeira. Nesse contexto, o especialista realizou as medições apenas nas seis horas (75%) utilizadas nos postos de trabalho dos teares x, y e z, sem considerar as duas horas de operação da espuladeira. Alertado sobre essa questão ele alegou que a dosimetria é legal pois foi realizada em no mínimo setenta e cinco por cento da jornada de trabalho, conforme preconiza os especialistas de plantão e blá, blá, blá!

Os ciclos de trabalho nos teares e na espuladeira são repetitivos e completados em apenas dez minutos. Bastava uma dosimetria de 1/3 nos postos de trabalho com projeção das doses para oito horas/dia e teríamos uma medição realmente representativa da exposição do trabalhador. Exemplo: O tempo de exposição é de 2 h para 6 h ou de 1/3. Como o ciclo de exposição em cada posto leva no máximo 10 minutos, vamos considerar as proporções em cada posto, ou 30 minutos na espuladeira mais 1,5 horas nos teares. Projetando-se as doses teremos uma medição idêntica a dosimetria de 8 horas. Nesse caso, as doses devem ser projetadas para duas e seis horas, respectivamente (ou simplesmente integralizadas conjuntamente, conforme objetivo da medição).

Mas numa outra situação, se há variações consideráveis nas exposições com indefinição dos ciclos de exposição ou valores variáveis a cada medição, o avaliador deve realizar medições de tempo integral e em vários dias, com composição dos dados.

A invenção dos 75% de 8 horas, ou seja, 6 horas, foi uma bobagem que durou apenas o tempo de vigência da IN 57. Depois os legisladores perceberam ou foram orientados que o importante era completar todos os ciclos de exposição de modo a realizar dosimetrias que realmente representassem as exposições dos trabalhadores e não apenas cumprir o tempo mínimo estipulado pela legislação para realização das dosimetrias. Até o momento permanece o entendimento da NHO-01 da FUNDACENTRO (até a atual IN/INSS).[7] Tal entendimento é o de que o avaliador deve determinar o tempo efetivo de medição sempre que a medição não cobrir a jornada integral de trabalho. Também, diz que quando a medição cobrir um período representativo da exposição ocupacional, o nível médio fornecido pelo medidor será representativo da exposição do trabalhador avaliado durante toda a sua jornada de trabalho, correspondendo ao nível de exposição. Claro que nesse caso a dose determinada para o período medido deve ser projetada para a jornada diária efetiva de trabalho. Mas ainda tem gente acreditando nas dosimetrias de 75% da jornada de trabalho.

Webgrafia:

[1] Posicionamento do microfone do dosímetro no trabalhador

http://heitorborbainformativo.blogspot.com.br/2012_01_01_archive.html

[2]  https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0303-76572006000200014&lng=en

http://www.consultoriatecnoseg.com.br/dosimetria-de-ruido

http://scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-16731998000100005

https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-77602014000400007

http://www.js.srv.br/reportagens/13_02_2015.pdf

[3] https://www.normasbrasil.com.br/norma/instrucao-normativa-57-2001_74390.html

[4] https://www.normasbrasil.com.br/norma/?id=74601

[5] http://www.normaslegais.com.br/legislacao/instrucaonormativainss45_2010.htm

[6]http://www.fundacentro.gov.br/biblioteca/normas-de-higiene-ocupacional/publicacao/detalhe/2012/9/nho-01-procedimento-tecnico-avaliacao-da-exposicao-ocupacional-ao-ruido

[7] https://previdenciacomentada.com/instrucao-normativa-77-inss-atualizada/

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