Dimensionamento da Zona Livre de Queda – ZLQ para obras de construção civil – Por Heitor Borba

 

Em obras de construção civil são utilizados talabartes de cintos de segurança com comprimentos superiores a 0,90 m sendo necessário o dimensionamento da Zona Livre de Queda – ZLQ dos trabalhadores para que os mesmos não colidam com a estrutura inferior ou laje em caso de queda.

Após pesquisar na net sobre o assunto descobri que não há abordagens direcionadas ou completas sobre esse tema. Neste espaço sempre procuramos passar informações relevantes aos profissionais de modo a agregar valor por meio da obtenção de conhecimentos técnicos e científicos, de forma direcionada e completa. Espero atingir esse objetivo também neste artigo.

Além das linhas de vida meia segurança que protegem os trabalhadores apenas quando os mesmos estão na periferia da laje[1] ainda temos os famigerados talabartes “Y”[2] que permitem a queda livre do trabalhador num espaço vertical de até 3,75 m, superior aos 3 m de pé direito da maioria das lajes das edificações residenciais multifamiliares construídas no Brasil.

Na verdade, o talabarte “Y” deveria ser proibido para obras de construção civil. Apenas o talabarte dotado por trava-quedas do tipo retrátil acoplado a linha de vida é que poderia ser liberado para esse tipo de atividade.[3] Mas como os dispositivos do tipo retrátil ainda são caros o pessoal do Ministério do Trabalho resolveu aprovar o “Y”, mas com necessidade de dimensionamento da Zona Livre de Queda – ZLQ.

Zona Livre de Queda – ZLQ é a distancia mínima medida desde o dispositivo de ancoragem até o nível do chão ou próximo nível inferior real ou obstáculo significativo mais próximo. No nosso caso o “o nível do chão ou próximo nível inferior real ou obstáculo significativo mais próximo” é a laje inferior [4 Pág. 36] A figura abaixo ilustra melhor a ZLQ:

ZLQ1

O cálculo deve ser realizado a partir da altura de instalação do ponto de ancoragem.

Como resolver essa questão?

Considerar os dados:

Altura da linha de vida bem esticada em relação a laje de serviços = 2 m

Comprimento máximo do talabarte + ABS aberto (queda trabalhador) = 2,40m

Altura da laje em ralação a laje inferior = 3 m

Altura mínima dos pés do trabalhador em relação a laje inferior em caso de queda = 1m

 

Ilustrando:

ZLQ2

Em número temos: ZLQ = 1 m de distanciamento de segurança da laje inferior aos pés do trabalhador + 1,5 m de distancia dos pés do trabalhador a argola de acoplamento do cinto (dorsal ou peitoral) = 2,50 m + 2,40 m (talabarte + ABS aberto) = 4,90 m = Distancia da Linha de Vida a laje inferior.

Percebemos que apenas quando é utilizado um talabarte de comprimento 1,30 m com ABS de abertura máxima 1,10 m (=2,40 m) é possível cumprir o disposto na NR-35.[5]

Utilização de talabartes de comprimentos maiores, como os de 2 m com ABS de abertura 1,75 m (= 3,75 m) + 2,50 m = 6,25 m (O trabalhador bate na laje inferior que está a 4,90 m da linha de vida) ou instalação da linha de vida em altura inferior a 2 m da laje de trabalho, descumprem a NR-35 e a empresa e o profissional podem ser responsabilizados criminalmente em caso de acidente fatal por quedas. A matemática é simples: 6,25 m – 4,90 m = 1,35 m. Nessa situação o profissional de segurança está expondo o trabalhador ao perigo e pode matar o trabalhador. Por isso a linha de vida deve ser instalada a uma altura mínima de 2 m da laje de serviços e bem esticada e com utilização de talabartes + ABS de comprimentos máximos de 2,40 m.

 O ABS[6] ou absorvedor de energia consiste numa fita resistente costurada com a mesma dobrada e com as dobras umas sobre as outras:

ABS

Quando ocorre a queda a costura vai se desfazendo aos poucos e amortecendo o impacto. Às vezes a fita não se descostura por completo o que reduz a ZLQ.

O cinto de segurança deverá suportar o esforço do impacto gerado pela retenção da queda, sendo o peso do trabalhador apenas um dos fatores (Geralmente de 100 kg correspondente ao peso do lastro de ensaio). O ABS mantém este esforço em torno de 600 kgf independente do peso do trabalhador, que poderá ser superior ou inferior aos 100 kg que aparece na etiqueta do cinto. Talabartes sem o ABS podem aumentar esse esforço em até quatro vezes ou mais, dependendo da ZLQ.

Lembrando que a Linha de Vida e os pontos de ancoragem devem ser objeto de projeto com emissão da respectiva ART. O profissional habilitado para esse tipo de projeto é o Engenheiro Mecânico. Mas para ser sincero, nunca vi um projeto de linha de vida para obras de construção civil que contemple todas as situações de deslocamentos dos trabalhadores. Sempre há necessidade de ajustes. A ZLQ deve ser calculada pelo Profissional de Segurança do Trabalho da obra e pelo Engenheiro Responsável da obra que informarão ao Engenheiro Mecânico onde as Linhas de Vida deverão ser instaladas (O Engenheiro Mecânico projetista da linha de vida não tem obrigação de saber quais os serviços que serão realizados na obra). Sempre há particularidades na obra que merecem atenção especial, como por exemplo, hall de pé direito superior a 3m, existência de mezaninos e sacadas que reduzem o pé direito de 3m, etc

Como vemos, a responsabilidade de informar ao projetista da Linha de Vida sobre a necessidade de instalação deste EPC é do Engenheiro e do Profissional de Segurança do Trabalho da obra.

Para que o Engenheiro Mecânico possa projetar corretamente as Linhas de Vida são necessários os seguintes dados:

a)    Locais onde deverão ser instaladas as Linhas de Vida com identificação do sentido das mesmas (vertical ou horizontal), altura que as mesmas devem ser instaladas em relação aos pisos de trabalhos, áreas horizontais a serem cobertas pelo equipamento e respectivas ZLQ máximas em cada situação;

b)    Número de trabalhadores que deverão ancorar em cada segmento de Linha de Vida;

c)    Tipo de laje a ser construída (Maciça, cabaça, isopor, etc);

d)    Dimensões perimétricas, pé direito e localização de pilares da edificação;

e)    Recortes da fachada (sacadas, entradas, estruturas provisórias, etc).

Apenas de posse destas informações é que é possível ao projetista elaborar um projeto decente e seguro. A política do Ministério do Trabalho e Emprego e do CREA de exclusão total dos Profissionais de Segurança do Trabalho de alguns itens das NR[7] está ocasionando conflitos de competências e vários absurdos na área de segurança do trabalho, cujos prejudicados são os trabalhadores que continuam expostos a riscos graves e com a sensação de uma falsa segurança. O fato de haver uma Linha de Vida dimensionada por profissional legalmente habilitado não significa que o trabalhador esteja seguro. Há necessidade de esse projeto passar pela aprovação do pessoal da Segurança do Trabalho, que por sua vez, deverá possuir os conhecimentos necessários para tal. Contrariando a filosofia do CREA, ART NUNCA foi sinônimo de segurança ou de serviço decente. Se assim fosse os médicos seria péssimos profissionais. Os médicos não possuem ART – So what?!

Prevenção de faz com raciocínio lógico e os profissionais de segurança devem saber pensar racionalmente.

Webgrafia:

[1] Linhas de vida meia segurança

https://heitorborbasolucoes.com.br/linhas-de-vida-meia-seguranca-ta-ba-jara/

[2] Talabarte “Y”

http://intrab.com.br/digishop/Talabarte-de-seguranca-modelo-duplo-com-03-conectores-e-absorvedor-de-energia.html

[3] Trava-quedas retrátil

http://www.ultrasafe.com.br/travaquedas-retratil-aco-10m.html

[4] NR-35 comentada – ZLQ

http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C816A419E9E3401420E0B5A4D4C57/Cartilha%20NR%2035.pdf

[5] NR-35

http://portal.mte.gov.br/data/files/FF80808148EC2E5E014961BFB192220B/NR-35%20(Atualizada%202014)%202.1b%20(prorroga).pdf

[6] ABS

http://www.sindusconsp.com.br/downloads/eventos/2010/normas_171211/normas_171211.pdf

http://www.honeywellsafety.com/uploadedFiles/Sites/Regional/BR/Training_and_Support/ArtigoTecnico-TalabarteDuplo.pdf

[7] NR

http://portal.mte.gov.br/legislacao/normas-regulamentadoras-1.htm